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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Esses velhos



Cabelos grisalhos cortados à “escovinha” muito antes do Ronaldo Fenômeno; alto, forte, com dois olhos de um azul infinito que mais parecem bolinhas de gude.  Assim é o meu nono Ottorino. Carinhoso com os netos, principalmente o Agenor, que, por sinal, se parece muito com ele, preenche suas horas de tédio entre umas “branquinhas” e outras, servidas pelo Sr. Nakashima, contando histórias fantásticas, geralmente experiências vividas por ele. Ficamos ansiosos aguardando sua volta do armazém, à espera das deliciosas balas de canela.
Todos os dias, a mesma rotina. Já meio sonolento pelo cansaço aliado ao efeito do álcool, deita-se na grama fofa e verdinha que guarnece a lateral da casa quer ouvir sua “moda” preferida: Chico Mineiro. Cantamos só alguns poucos versos que conhecemos. Ele nos acompanha e se dá por satisfeito. Assim passam as horas até o cair da noite, quando o sono chega, estimulado pela escuridão da falta de luz elétrica.
Hoje, porém, é dia especial!  Início do ano de 1950, eleições para Presidente da República. Para quebrar a rotina, há comício na cidade e esse é um passeio que não podemos perder. Milhares de pessoas amontoadas; as sombrinhas, as bandeirolas e os bonés dão um colorido especial para aquela massa que se movimenta com acenos e gritos. Damo-nos as mãos para não nos perder.
Meu nono me coloca em seus ombros para que eu veja melhor. Meus oito anos não me deixam entender muita coisa, apenas o que ele diz, cheio de emoção:
— É o candidato dos pobres. Será nosso presidente!
A música estridente no alto-falante do caminhão insiste:
—Bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar... e completa:
—Viva Getúlio!
A multidão delira. E eu o vejo. Num jipe aberto, lenço vermelho no pescoço, sorriso largo, faces coradas e gorduchas, óculos redondos, Getúlio Vargas acena para o povo. É um bonito espetáculo. Somos pisoteados e espremidos como sardinhas em lata sob o sol escaldante daquela tarde. Sinto-me cansada, mas feliz. Afinal, além do passeio – coisa rara para nós – ter a oportunidade de participar de tudo aquilo me fazia crescer em importância, mesmo sem entender o que estava acontecendo.
 Agora vem o mais importante: a volta. Como sempre acontece em ocasiões especiais (a última foi numa procissão, que um dia conto) aquela parada obrigatória no Bar “A Boneca” para um sorvete. Prefiro de casquinha, porque aproveito mais. O caldo escuro do coco queimado escorre pelo braço que limpo com algumas lambidas. 
Finalmente chegamos a casa. Exausta, deixo para depois as muitas coisas que tenho para contar. Guardo na retina as imagens bonitas dos velhos: candidato e nono. E na boca o doce sabor do coco queimado... Até hoje.

Geni    07/2011

2 comentários:

  1. E, VIVA nossas re lembranças ...
    O importante é manter os neurônios assim, pululando a caça das coisas boas da vida.
    Um abraço, Geni.

    Vera Gracia

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