Cabelos grisalhos cortados à “escovinha” muito
antes do Ronaldo Fenômeno; alto, forte, com dois olhos de um azul infinito que
mais parecem bolinhas de gude. Assim é o
meu nono Ottorino. Carinhoso com os netos, principalmente o Agenor, que, por
sinal, se parece muito com ele, preenche suas horas de tédio entre umas
“branquinhas” e outras, servidas pelo Sr. Nakashima, contando histórias
fantásticas, geralmente experiências vividas por ele. Ficamos ansiosos aguardando
sua volta do armazém, à espera das deliciosas balas de canela.
Todos os dias, a mesma rotina. Já meio
sonolento pelo cansaço aliado ao efeito do álcool, deita-se na grama fofa e
verdinha que guarnece a lateral da casa quer ouvir sua “moda” preferida: Chico
Mineiro. Cantamos só alguns poucos versos que conhecemos. Ele nos acompanha e
se dá por satisfeito. Assim passam as horas até o cair da noite, quando o sono
chega, estimulado pela escuridão da falta de luz elétrica.
Hoje, porém, é dia especial! Início do ano de 1950, eleições para Presidente
da República. Para quebrar a rotina, há comício na cidade e esse é um passeio
que não podemos perder. Milhares de pessoas amontoadas; as sombrinhas, as
bandeirolas e os bonés dão um colorido especial para aquela massa que se
movimenta com acenos e gritos. Damo-nos as mãos para não nos perder.
Meu nono me coloca em seus ombros para que eu
veja melhor. Meus oito anos não me deixam entender muita coisa, apenas o que
ele diz, cheio de emoção:
— É o candidato dos pobres. Será nosso
presidente!
A música estridente no alto-falante do
caminhão insiste:
—Bota o retrato do velho outra vez, bota no
mesmo lugar... e completa:
—Viva Getúlio!
A multidão delira. E eu o vejo. Num jipe
aberto, lenço vermelho no pescoço, sorriso largo, faces coradas e gorduchas,
óculos redondos, Getúlio Vargas acena para o povo. É um bonito espetáculo. Somos
pisoteados e espremidos como sardinhas em lata sob o sol escaldante daquela
tarde. Sinto-me cansada, mas feliz. Afinal, além do passeio – coisa rara para
nós – ter a oportunidade de participar de tudo aquilo me fazia crescer em
importância, mesmo sem entender o que estava acontecendo.
Agora
vem o mais importante: a volta. Como sempre acontece em ocasiões especiais (a
última foi numa procissão, que um dia conto) aquela parada obrigatória no Bar
“A Boneca” para um sorvete. Prefiro de casquinha, porque aproveito mais. O
caldo escuro do coco queimado escorre pelo braço que limpo com algumas
lambidas.
Finalmente chegamos a casa. Exausta, deixo
para depois as muitas coisas que tenho para contar. Guardo na retina as imagens
bonitas dos velhos: candidato e nono. E na boca o doce sabor do coco queimado...
Até hoje.
Geni
07/2011
E, VIVA nossas re lembranças ...
ResponderExcluirO importante é manter os neurônios assim, pululando a caça das coisas boas da vida.
Um abraço, Geni.
Vera Gracia
Vera, você sempre gentil, obrigada
ExcluirGE