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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Um projeto que deu certo



fantasia de criança

Dezembro, semana que antecede o Natal. Sentada na escadaria do prédio, observo a correria desenfreada de pessoas que arrastam seus filhos pelas mãos já abarrotadas de sacolas. Crianças choram por não conseguirem acompanhar os passos dos adultos que esbravejam, apertando ainda mais o passo. Nas lojas, o corre-corre dos vendedores a atenderem vários clientes ao mesmo tempo na tentativa de agradar a todos e, ao mesmo tempo, manter olhar atento sobre as crianças que, estabanadas e curiosas, derrubam das prateleiras seus brinquedos favoritos.
O dinheiro guardado com sacrifício, facilitado pelo crédito aberto na hora, leva ao delírio aqueles que conseguem comprar o que tanto desejam. A TV, grande companheira das crianças, se encarrega de despertar o desejo de todos, inclusive dos mais grandinhos que, por conveniência, fingem acreditar no bom velhinho Noel. Para as meninas, bonecas princesas, cheias de acessórios e maquiagens. Para os meninos, os super-heróis e os eletrônicos, que chegam a custar um mês do salário dos pais. Mas nada disso importa. Ver a alegria dos filhos no Natal é o que mais desejam todos, por maiores que sejam as dificuldades.
No meu devaneio, volto à minha infância. Busco as sensações esquecidas entre as dobras da memória e vejo a menina pobre, mas não menos sonhadora. Sonhos diferentes na simplicidade e na pobreza. Mas, mesmo assim, sonhos. Como de outra criança qualquer. Sonhava com uma boneca que tivesse cabelos e que mexesse os olhinhos e, ainda, a quem eu pudesse dar banho sem esfacelá-la toda, como aquelas bonecas sem graça de papelão em que o menor respingo desmanchava. Mas que...
Os nossos “bebês” ficavam por conta dos irmãos menores, de quem cuidávamos, e nossos brinquedos eram aqueles improvisados com o material de que dispúnhamos: fazenda com a manada feita de bucha vegetal; cachorro e gato de chuchu, com estrepes a guisa de pernas; caveiras de abóbora. Fabricávamos pernas de pau com latas de óleo e barbante; fazíamos balanço nas mangueiras e muitos desenhos na areia do quintal. Brincávamos de casinha e aprendíamos a cozinhar (nossa mãe nos deixava brincar com fogo e, ainda, nos fornecia a matéria-prima para o cozimento). Os meninos fabricavam locomotivas e carroças com latinhas de extrato de tomate e de sardinha. Faziam pipas com papel de pão e cola de arroz. A imaginação corria solta; brincávamos aprendendo e aprendíamos brincando. Éramos felizes em uma família unida com padrões morais e religiosos bem definidos.
Éramos mais felizes que as crianças de hoje? Como saber? Cada época tem seu encanto e, com certeza, os meninos e meninas de hoje também têm suas alegrias e frustrações. O que preocupa é o consumismo exacerbando o sempre querer mais e mais, queimando etapas de suas pequeninas vidas. O que é certo e o que é errado? Só o futuro dirá. Talvez seja só uma questão de dosagem, quem sabe?  Apenas sei que hoje os brinquedos são na grande maioria descartáveis; os interesses mudam com as novidades do mercado; novos desejos surgem abarrotando os quartos das crianças, forçando os pais a fazerem doações, se não pela filantropia, pelo menos para desocupar espaço. 
Nosso Lema
O que me levou a essa viagem foi a materialização do sonho de ver brinquedos usados (e até quebrados) permitirem a muitas crianças pobres o direito de brincar com princesas, super-heróis e lindas bonecas de longos cabelos loiros. O sonho sonhado surgiu como um projeto criado pela IAM – Instituição Assistencial Meimei,           de São Bernardo do Campo. E é sobre esse projeto, hoje uma linda realidade, que emocionada faço um relato.

Doações

A IAM transforma em recursos o que recebe de doações. Para isso, mantém uma campanha permanente de arrecadação de todos os tipos de objetos novos e usados, que recupera e vende, tanto nas feiras que promove durante o ano, como em sua área comercial. Como o volume de doações de brinquedos que dependiam de algum tipo de reparo era muito grande, Dona Miltes Bonna, presidente da Instituição, nos convidou a mim, a Ione Negri e a Rita Moutinho para, juntas, viabilizarmos o que ela chamou de "Projeto Vovó Hilária": restaurar os muitos brinquedos que a Casa recebia e que dependiam de algum tipo de interferência.
Era Junho de 1996. Para integrar o grupo, convidamos Oracila e Geraldo Ferraz, um casal amigo que de pronto abraçou a causa. Sob a coordenação da Ione, iniciamos nossa jornada, pressagiando o sucesso que haveria de ser. Enfrentamos muitas dificuldades, de falta de espaço, de pessoal e de estrutura, mas fomos nos organizando, estabelecendo objetivos, ganhando apoio e conquistando a confiança da diretoria, da administração e dos próprios tarefeiros, que foram se juntando a nós inclusive levando trabalho para casa no difícil começo. Do grupo dessa época merecem destaque nossas amigas Sônia, Alice Silva e Elvira.

exposição e venda

Além de incrementar as receitas da Instituição, o Projeto tinha por objetivo proporcionar às crianças da IAM a oportunidade de adquirir brinquedos por preços acessíveis, ampliar o material usado pelas unidades na ludoterapia e dar oportunidade de trabalho aos tarefeiros da casa. Nas inúmeras e incansáveis reuniões, traçamos a estratégia de trabalho e o perfil do tarefeiro: seus direitos e deveres, as condições básicas do trabalho, suas atribuições. Organizamos cadastro e programávamos os eventos que, além de arrecadar recursos, intensificava nossa união, pois aproveitávamos as oportunidades para nos conhecermos melhor.
Hoje o Programa Vovó Hilária funciona como uma verdadeira oficina do Gepeto. De um início despretensioso, o projeto foi-se aprimorando na organização e, hoje, acabou por motivar união de outros programas, todos adotando a mesma forma de trabalho. Foi assim que surgiu a Unidade VI, com o nome de Núcleo de Convivência da Terceira Idade, que abriga programas como a Sala Tia Marina, responsável por costura e reformas de roupas em geral e o Cantinho Meimei, que cuida das atividades manuais, como pintura, crochê, tricô e artesanato.

improvisação

muito trabalho

Mas nem sempre foi assim. No início, nosso trabalho era desenvolvido de forma precária, sem qualquer estrutura. Faltava espaço para lavar, secar, consertar e armazenar os brinquedos. Tudo foi sendo conquistado paulatinamente, com muita persistência e trabalho. Hoje, o Programa conta com espaço definido, de lavanderia, mesas para trabalho, armários para guarda e controle do estoque, livro de ponto e até programa de computador para registro de entrada e saída das peças.  São mais de trinta voluntários que contam com o total respaldo da administração, dos funcionários e da diretoria da IAM.O amplo salão é dividido por setores e na triagem as peças recebidas são separadas por espécie: brinquedos pedagógicos, antigos ou novos, movidos a corda ou a pilha, bonecas, bichos de pelúcia, jogos eletrônicos, entre outros. Os tarefeiros se reúnem em vários dias e horários, devidamente uniformizados e identificados por crachá, e se envolvem com parafusos, tintas, linhas, agulhas, pilhas. Brincam enquanto trabalham, contando cada um sua própria história. Os trabalhos são invariavelmente precedidos da leitura de uma mensagem para meditação e harmonização do ambiente.

recuperando
As peças, depois de recuperadas, são utilizadas para abastecer as unidades da Instituição e para comercialização no bazar permanente da Casa, a preço acessível aos moradores da comunidade. O Núcleo ainda expõe seus produtos em feiras na cidade e região, divulgando o trabalho da Casa e gerando receita para a Instituição. Muitos colecionadores – clientes cativos – e comerciantes da cidade compram nossos produtos e nos reconhecem pioneiros na recuperação de brinquedos. O trabalho, minucioso, cansativo, mas muito prazeroso, segue o lema da casa:  “ESTOU AJUDANDO A CONSTRUIR UM MUNDO MELHOR”.
união e trabalho
Realmente, esse foi um projeto – hoje programa – que deu certo. E me sinto ainda dentro dele, neste meu passeio pelo tempo com sabor de saudade. Vejo-me ainda entre os brinquedos sujos, estropiados e malcheirosos se transformando em lindos corcéis puxando carruagens douradas, príncipes e princesas com muito brilho, jogos multicoloridos, carrinhos amputados que voltam a girar as bonecas... Ah, as bonecas, que podem tomar banho, que choram, que têm longos cabelos loiros penteados e presos com fitas, roupas novas e perfumadas...
Desperta, continuo observando os transeuntes e meus olhos se enchem de felicidade com a alegria dessas crianças que, com seus sonhos realizados, também permitirão que outras crianças sonhem, como eu, que pude voltar à infância e brincar.

“VALORIZE O TEMPO E NÃO TE CONCEDAS O LUXO DAS HORAS VAZIAS”- Emmanuel
Maiores detalhes visitem o site da IAM    www.iam.org.br
Geni fevereiro/2012