Postagens populares

terça-feira, 21 de junho de 2011

Conversa no jardim

Sempre Alerta!
Debaixo do caramanchão florido, olhos semi-serrados, negras madeixas beijadas pelo vento, a menina parecia dormir. As cores pálidas da madressilva exalavam perfume suave, combinando com a simplicidade dos pequenos buquês mesclados de vermelho e branco.
O silêncio da tarde só era quebrado pelo nhec-nhec do balanço que lhe serve de moldura. Como que a compor esse quadro campestre, seus companheiros vão chegando: uma lagartixa que corre um beija-flor que se farta de néctar, uma salamandra que se agarra a um tronco, um gatinho ronronando que se espicha no seu colo. Uma libélula traça filigranas no ar, depois se assenta rapidamente nas águas tranquilas do lago sereno logo à frente.
Em meio a isso tudo, as flores que compõem esse lugar mágico põem-se alerta: algumas abelhas aproximam-se perigosamente, atraídas pelo doce da calda do picolé que a menina distraidamente deixara derretendo, vencida pelo sono. Diligentemente, cuidaram de desviar a atenção das pequenas voadoras, antes que um movimento involuntário da menina provocasse um acidente.
Passado o perigo, as flores voltam a fazer o que mais gostam, neste éden encantado: filosofar. Sim. Qualquer acontecimento era motivo de grandes e acaloradas discussões entre elas, num debate que, às vezes, se estendia até quase o crepúsculo.
O assunto desta manhã fora justamente provocado pela menina. Por que, indagavam elas, a garota insistia em manter os olhos fechados, mesmo frente ao perigo iminente? O girassol, achando-se o máximo, colocou-se como mediador. Afinal, que outra flor teria sua capacidade de acompanhar com o olhar o caminho trilhado pelo deus-sol? E propôs que a discussão abordasse as diversas formas de se comportar dos humanos, com seus diversos “olhares”.
Maria-sem-vergonha, aparecida como sempre, foi a primeira a falar:
— Tenho umas parentas que vicejam em um campinho de futebol. Elas me contam tudo o que acontece com os humanos que frequentam aquele lugar. Digo de cadeira: As pessoas não vão lá só para se divertir e praticar esporte. Muitos deles estão à espera que alguém os veja. Mas não é um alguém qualquer. Chamam a ele “olheiro”, uma pessoa que vive de caçar talentos. Os jogadores esperam uma oportunidade de ser convidado para treinar em grande time e, para isso, não perdem a oportunidade de se exibir, mostrado seus conhecimentos de futebol. Os olheiros funcionam como uma espécie de instituição, que capta talentos esportivos em todo o mundo.
A ninféia quase não deixa a colega terminar. Emendou:
— Você falou em olheiro e me fez lembrar. Vivo na água, vocês sabem. Em um lago, é bem verdade. Mas sei tudo sobre o mar. Certa vez, estava um grupo de pescadores conversando e um deles contou sobre a pesca artesanal de tainhas, iniciada pelos colonizadores açorianos lá pelos idos de 1692, quando chegaram à ilha. E sobre o trabalho de “olheiros” também. Por isso me lembrei.
 E continuou: — Por volta das quatro da manhã, esses homens sobem aos costões do mar para espreitar a chegada dos peixes e informar aos pescadores que aguardam na praia a exata localização dos cardumes e a hora certa para iniciar a pesca.
— Pois eu vejo o olhar por outro ângulo.
Todas as demais flores calaram-se. Era a espada de são Jorge, com sua voz tonitruante, porte militar, postura ereta, fardas engomadas, a impor o respeito de todas. Aproveitou o silêncio que se fez para continuar:
— O assunto faz-me lembrar os filmes da idade média, assunto da conversa de dois jovens neste mesmo balanço em que descansa a garotinha. Diziam eles que os comandantes das armadas dos grandes castelos medievais colocavam sentinelas ao redor de toda a muralha.
— E é do olhar atento daqueles soldados que dependia toda a segurança do castelo, completou a espada de são Jorge.
O girassol, do alto de sua magistratura, a tudo acompanhava, com ar de superioridade, fingindo a tudo entender, para disfarçar a sonolência que tanta informação produzia.
No pequeno vácuo que se fez, a camélia criou coragem. Mesmo sem querer se exibir, disse:
— Nós, camélias, somo o símbolo dos abolicionistas. Servíamos de senha para identificar os cavalheiros abolicionistas e, com isso, ajudar os negros fujões.
— Mas o que isso tem a ver? Apartou o mal-me-quer, com o humor ácido que lhe é peculiar.
— Você não sabe? O olhar atento dos escravos buscava jardins das casas onde houvesse um pé de camélia, sinal de compromisso com a causa.
A orquídea, com as pétalas ainda respingadas pelo orvalho que o sol não secara, ouvia em silêncio. Achava tudo aquilo interessante, mas entendia que era hora de mudar o rumo da prosa, como costumava dizer. Ela, que já havia sido palco de inúmeras experiências de cruza, dizia-se esperta em assuntos visuais. E, querendo imprimir um ar mais científico à conversa, iniciou seu discurso:
 — O olho é o dispositivo mais engenhoso da natureza. Em princípio poderíamos compará-lo a uma câmara fotográfica. A objetiva da câmara equivale à córnea, as pálpebras encarregam-se de mantê-la limpa, clara e livre de tudo que possa turvá-la. Ambos os olhos se movimentam coordenadamente para que possam seguir o objeto observado. Apesar de sua importância, nem todos têm o cuidado devido com seus olhos e não valorizam o sentido da visão em toda sua magnitude.
O girassol, agora já meio cansado, dizia, com a voz a trair um certo enfado:
— O próximo, por favor.
A rosa, que esperava silenciosa e pacientemente sua vez, naquela manhã estava especialmente mais linda ainda, deslumbrante mesmo. Com toda sua ternura mística, propôs-se a falar do olhar sob um novo enfoque: o olho na simbologia. E começou:
— O olho, órgão da percepção visual, é reconhecido quase que universalmente como o símbolo da percepção intelectual. É assim que temos, sucessivamente, o olho físico na sua função de recepção da luz; o olho frontal, o terceiro olho, e, finalmente, o olho do coração. Todos os três recebem luz espiritual. Na filosofia, o olho também denota visão, maneira de ver.
Silenciosa, a doce violeta, exalando seu suave perfume, se desvencilha das folhas que a protegem e também a escondem e enfatiza, serena:
— Bem-aventurados os vossos olhos, porque veem,...[1]
— Refletir sobre nosso modo de ver, eis a questão. E continuou, com a humildade que lhe é peculiar:
— Olhos... Patrimônio de todos. Encontramos, porém, olhos diferentes em todos os lugares. É preciso estar atento e forte para discernir, pois, segundo asseverou o apóstolo Paulo de Tarso, “Tudo me é lícito, nem tudo me convém”. É preciso critério, equilíbrio e, principalmente, atenção em nosso caminhar pela vida, para não sermos surpreendidos por situações perigosas, consequência de um olhar desatento.
Antes que o girassol desse por terminada a reunião – estava louco para isso –, a natureza veio a seu favor e o ajudou a encerrar o assunto, mesmo que outras flores estivessem doidas para falar.
Uma rajada de vento frio despertou a garota que, esfregando os olhos, espantou as abelhas. Ainda sonolenta, enquanto espreguiçava, veio-lhe a nítida impressão de que sonhara. Esforçou-se por lembrar e, passando a mão pela testa, achou engraçado quando lembrou-se de alguém que lhe falara sobre o “terceiro olho”, localizado no ponto entre as sobrancelhas, que, segundo a tradição hinduísta, está ligado à capacidade intuitiva e à percepção sutil.
Nisso, uma abelha retornou. Ela, agora atenta, intuitivamente a espantou e acabou por se lembrar do sonho (embora não dos personagens). Nele, lembrava-se agora, havia sido enfatizada a atenção ao modo de ver e perceber as coisas. Recordou-se de seu grupo de amigos escoteiros, cujo lema no mundo inteiro é: SEMPRE ALERTA.
E... já que havia despertado, aproveitou para percorrer com mais atenção o jardim, observando a beleza de cada flor. Instintivamente, começou dialogar com elas, como que agradecendo a oportunidade do aprendizado.






[1]  Matheus. 13,9... 17

Meu nome... Minha diferença

É impossível falar sobre o meu nome sem citar meus irmãos, pela ordem de idade: Evanir Erminda, Agenor Clarindo, Nestor Laurindo, Antenor Lucindo e Nair Ermelinda.

Nomes que soam estranhos, quando assim reunidos, mas que deixavam meu saudoso pai orgulhosíssimo. Afinal, não era fácil encontrar nomes que atendessem à combinação or e indo, para os meninos, e ir e inda para as meninas. Principalmente para ele, pessoa sem nenhuma literatura e sem qualquer fonte de consulta.

Eram idéias dele. Só dele. Minha mãe, mesmo que quisesse, não tinha espaço para palpites. A coisa acontecia invariavelmente assim: Nascida a criança, o velho seguia imediatamente para o Cartório de Registro Civil. No retorno, e com a pompa que o momento exigia, lia nome do rebento, escolhido em segredo já há algum tempo.

Era uma cena comparável à daqueles arautos do rei que, sobre um tablado, com toda a pompa e circunstância, inflavam o peito para anunciar um acontecimento importante.

Minha mãe, calada em um canto, era apenas platéia, como todos nós.

E eu? Por que fugi à regra? Deolinda está conforme. Mas porque Geni, e não Genir? Acho que, num golpe de sorte para mim, o escrivão tenha entendido mal e efetuou o registro sem o erre final. Acredito, também, que meu pai não tenha querido retornar ao Cartório para corrigir o erro.

O certo é que fiquei Geni. Diferente do que ele queria. Melhor para mim. Embora não possa dizer que tenha me livrado de problemas. Sempre perguntam: com G ou J? Y ou I? E quando escrevem Genideolinda, assim, tudo junto? E pior, quando grafam Geni de Olinda? Às vezes chego a me aborrecer. E digo irônica: Nem de Olinda nem de Recife. É Deolinda, tudo junto. E, como sei que também vou ter problema com o sobrenome, antecipo: É Bizzo, com duplo zê, por favor.

Depois acho graça. Afinal, nunca vou ter problemas com homônimos.

Faculdade da Terceira Idade Claretianas.
Geni
25-03-09

terça-feira, 7 de junho de 2011

Trabalho Noturno

Pé ante pé caminhamos desviando dos “estrepes” no chão coberto de galhos tortos e gravetos pontiagudos. Precisamos ter a certeza de que o Senhor Damasceno não nos vê. (ele finge, é claro). Lá está ele, andando de lá para cá, uma varinha na mão batendo na perna coberta pela mescla rústica da calça caqui.
É o vigia do “lenheiro”.
Altos montes de lenha enchem o pátio da estação de trem. Eles estão dispostos como enormes cubos onde os troncos são entrelaçados como se ali tivessem sido trabalhados por delicadas mãos de um cuidadoso tapeceiro.
Entre as pilhas gigantescas ele caminha assobiando ao rítmo de sua varinha. É funcionário da N. O B (Estrada de Ferro Noroeste do Brasil) e o local é um vasto terreno junto a estação onde é armazenado o combustível que alimenta as barulhentas e pesadas “marias-fumaça” (locomotivas  movidas à lenha)
 Madrugada três, quatro, cinco horas? Não sei. Caminhamos no sentido contrário: a vizinha Cléo, mamãe e eu. Seu Damasceno meio que se esconde na cumplicidade.
Juntamos os gravetos maiores e pequenos troncos que foram deixados entre as pilhas. Uma faixa de pano velho serve para amarrar o feixe que colocamos no ombro ou na cabeça.
Quantas viagens fazemos? Depende da fartura ou escassez da lenha miúda, da nossa disposição, das condições de saúde e do tempo.
Quando damos o trabalho por encerrado, trazemos as roupas sujas de carvão, inclusive o rosto e braços que algumas vezes também estão arranhados.
Amanhece. Quando levantamos vamos conferir à luz do dia o resultado do nosso trabalho. Amontoada nos fundos do quintal lá está a lenha que será usada no fogão durante o mês todo.
É uma grande economia.

A MEMÓRIA É LINDA?



A lembrança é linda, infinda, bem-vinda, tirana, insana. É vil gentil, bonita, faz fita, resgata, maltrata, dói, corrói. É delicada, malvada, revolta, conforta. É tudo isso e muito mais.

Certo. A lembrança é linda. Mas será também linda a memória? Ora, não há lembrança sem memória. Como bem diz o poeta, “nós existimos enquanto alguém se lembra de nós”. É a memória que nos traz de volta as recordações, os sonhos, as revivências dos bons – e dos maus – momentos, pois tudo fica guardado, registrado e, mais cedo ou mais tarde, resgatado, às vezes mesmo contra a nossa vontade. Nem mesmo o computador, que a um leve toque de tela nos descortina tudo o que procuramos, nem mesmo o computador, essa mágica maravilha do nosso século, se compara à maravilhosa máquina que é o nosso cérebro.

Recordar é viver, diz antiga canção popular. Eu vivo porque as paredes da memória me trazem lembranças mil. Às vezes tão bem guardadas, que parece querer brincar de esconde-esconde. Nesses momentos, por mais que a busque, ela teima em não aparecer. Eu sei que meus lapsos e tropeços são a memória querendo pregar troças. E por isso, mesmo sofrendo às vezes, eu cuido para que ela se mantenha ativa.

Como é gostoso, numa roda de amigos, num bate papo informal, viajar no tempo. Nós rimos, choramos nos emocionamos. Quantas lembranças, quantas histórias vividas, sentidas, quanta saudade... A memória é linda porque trazemos à tona aquilo que guardamos. É linda porque é seletiva, porque deleta os arquivos que nos ferem.

Exercício de memória:

Somos uma família grande e uma grande família. Reunimo-nos sempre que há algum motivo. E quando não há motivo, inventamos, só para passarmos algumas horas juntos, mesmo sabendo as dificuldades que muitas vezes enfrentaremos só para matar a saudade.

Esse hábito mantemos, embora os tempos tenham mudado e a vida apressada às vezes dificulte nossos encontros. Esse hábito mantemos porque trazemos gravados em nossa memória com muita saudade as reuniões na casa de nosso
pai. Casa humilde, sem conforto, pequena, mas cheia de amor e carinho.

No espaço pequeno, esparramávamos colchões pelo chão (até na cozinha) para acomodar a todos, adultos, jovens, crianças... Durante o dia, ficávamos no quintal à sombra da goiabeira para fugir do calor insuportável.   
Simplesmente, jogávamos conversa fora, contando causos que avançavam noite adentro.
Os feriados prolongados eram esperados com ansiedade. Na velha casa só moravam o patriarca da família e sua esposa, uma vez que os filhos seguiram outros caminhos motivados pela profissão que abraçaram. Tudo era mais difícil, o dinheiro curto, a improvisação nos detalhes, mas quanto aconchego! 

Abraçávamo-nos, chorávamos, cantávamos e todos se arriscavam na cozinha. A divisão do trabalho era prazerosa. O compositor Sérgio Bitencourt retrata bem essas cenas em sua muito inspirada canção, quando nos revela: “Naquela mesa ele contava histórias, que hoje na memória eu guardo e sei de cor...

É a memória linda?
Como é! Tivemos algumas baixas, infelizmente. Mas os que ficamos temos hoje a locomoção facilitada, as distâncias encurtadas, as condições financeiras melhoradas, mas... Papai Noel, coelho da páscoa, carnavais, ensopadão, churrasco, mojica (peixe com mandioca) polenta com frango e a boa caipirinha ficam por conta da memória que, graças a Deus, todos ainda conservamos.

E a velha casa continua lá. De pé, sozinha, como que a esperar para mostrar nas suas paredes as fotografias de nossas lembranças.

Geni 26-05-09.    FTI



A TRAJETÓRIA DE UM FLAMBOYANT

O ENCONTRO
Barulho incrível e ensurdecedor me parecem vindo de muito longe, como se fosse uma marcha indígena com seu grito de guerra. Eu me sinto sufocar junto a outras tantas irmãs aconchegadas num cesto enfeitado num canto do palco multicolorido. Sou uma pequenina semente de flamboyant
Os artistas se revezam, fazendo mil e uma peripécias para entreter o público infantil não muito acostumado com esses eventos.
É primavera! E, como acontece nessas ocasiões, as grandes cidades se enchem de euforia, endeusando as raras oportunidades de virem uma árvore florida; e mais, despertar no público estudantil o amor, o gosto pelas plantas tão escassas nas casas sem jardins e ruas mal cuidadas via de regra.
Nessas oportunidades, as escolas se esmeram em programas voltados à natureza e, num misto de obrigação e prazer, se unem aos demais artistas (sim, porque os professores também o são) para atingir os objetivos  traçados no início do ano letivo.
Bem... Voltemos a falar de mim. Eu e minhas companheiras iniciamos nossa trajetória com destino incerto e, pelo que estou podendo perceber, não muito promissor.
Apertadas e quase sem ar num envoltório de plástico. somos entregues, selando nosso destino. Mãos pequeninas e meladas nos apertam ainda mais. Umas são atiradas ao longe e pisoteadas, outras nos bolsos cheios ou sacolas abarrotadas de bugigangas se ajeitam como podem.
Eu tive mais sorte. Fui acariciada e imediatamente solta das amarras que me tiravam o ar. Na bolsa organizada, senti a leve fragrância daquele perfume que marcaria minha existência. Ele me indicava a aproximação da minha protetora. Sim, porque todos sabem que temos protetores, anjos guardiões e outras divindades que nos acompanham e auxiliam durante toda vida. Acho que os protetores das plantas se chamam duendes. Seja o que for, eu percebi que seria protegida e me senti segura.
O espetáculo terminou, graças a Deus  Num instante, o teatro se esvaziou e a volta pra casa me enchia de esperanças. No sacolejar do ônibus continuava ouvir a algazarra dos pimpolhos, que muito raramente tinham a oportunidade desses encontros festivos.
RAIO DE SOL
Chegamos. A professora interiorana e apaixonada por plantas fez um apelo quase dramático aos pupilos e, como sempre, entregou-se de corpo e alma àquela missão que sempre foi promover a vida e colorir o mundo. Com muito entusiasmo, orientou seus alunos sobre a melhor maneira de cultivo, discorreu sobre tipos de solo, adubação, rega, combate à pragas, etc., etc., etc.
Os alunos, num misto de enfado e cansaço, prometeram que cuidariam com carinho dessas árvores em potencial a qualquer custo, mesmo porque a professora cobrava resultados.
Infelizmente não pude acompanhar o desenvolvimento de minhas companheiras.  Mas eu...
Que felicidade! No apartamento arejado e cheio de vida, fui delicadamente plantada num vasinho colorido com terra cuidadosamente preparada. Meio adormecida ( como acontece sempre quando nos preparamos para nascer) sentia a vibração e o carinho como me tratava a professora minha guardiã  e percebi  que havia encontrado meu raio de sol..
Podia ouvi-la todos os dias, sua voz ao longe ansiosa para que eu me mostrasse por inteiro.
VIDA NOVA
Num belo dia, o primeiro broto, depois a folhinha tenra, o galho fino e frágil. Enfim.  Eis a vida em abundância naquele pequeno recipiente. Eu, da janela, podia sentir o sol brilhante e forte, me beijando todas as manhãs.
Nesse ambiente acolhedor fui crescendo e, como sempre acontece com plantas de linhagem grande e majestosa, o espaço do pequeno vaso não acomodava minhas raízes, que teimavam em buscar profundezas maiores para que eu pudesse exibir toda minha potencialidade (me sentia com “sapatinhos” apertados). Veja como existe um destino... ou sorte, não sei. Minha protetora e amiga ( éramos íntimas) estava preocupada com meu desenvolvimento e, iluminada, resolveu que me levaria até sua terra natal, onde eu teria uma infância feliz como ela havia tido.
Assim aconteceu. Com todo cuidado colocou-me em seu carro e fomos nós para Araçatuba onde acreditava ela poderia me ver crescer e florir.
Viagem longa, minimizada pelas canções que falavam da terra e da vida simples do interior (planta gosta de música), acompanhada pela voz rouca de minha amiga, resultado dos muitos anos na profissão que abraçara...
Apesar de longa, a viagem foi prazerosa. Só não gostei quando me deixou fechada durante alguns minutos, é claro, naquelas pausas habituais em viagens longas. Mas recebia água fresquinha e isso compensava.
Chegamos; Terra quente por natureza e multiplicada pelo asfalto que cobre toda a cidade. Fiquei meio decepcionada, pois esperava um grande terreno cheio de amigas minhas. Mas qual, o espaço pequeno embora acolhedor me levou de novo para um vaso, agora maior porém num espaço livre, sol direto e água em abundância, melhor assim. O carinho também conta muito e isso não faltou. Mas o espaço! Esse é o grande obstáculo e paradoxal num país tão grande e com tão densas florestas. Mas essa é uma outra história Quem sabe outro dia...
LAR DEFINITIVO
Minha infância nesse local foi um pouco triste, pois sentia falta do meu anjo protetor, que havia retornado para a cidade grande, não sem antes se despedir de mim muito chorosa. Tive os cuidados necessários, mas algo me faltava, era aquela voz rouca falando comigo todas as manhãs.
Mas como tudo na vida tem seu lado negativo, eu não fui diferente. Mais uma vez o espaço se tornou pequeno demais para que me tornasse uma planta saudável. Sentia-me sufocar e não entendia por que.
Ah! Mas isso foi mais um teste de paciência, um aprendizado. E, como diz a professora, sempre crescemos nas adversidades.
Enfim a luz... Sua amiga Irene, dos tempos de colégio na juventude, possui uma chácara que, embora pequena, tem uma grande variedade de árvores frutíferas... Minhas primas.
Vejam que privilégio o meu. Essa amiga não me recebeu com carinho, como me deu lugar de destaque na frente da casa, perto do portão de entrada.
Ah! Que felicidade. Cova larga e funda, rega diária e meus pés firmes se fincaram no chão, para que eu sustentasse meus vários e agora fortes galhos.
Na minha primeira florada me senti orgulhosa e feliz. Um perfume suave e as cores fortes nos vários buquês com flores de delicadas pétalas faziam inveja às jaqueiras minhas vizinhas.
A professora me visita vez em quando e me deixa envaidecida. Pena que esses encontros não são constantes, pois, com a partida de seu velho pai para outro plano, os vínculos na cidade diminuíram e as oportunidades também. Mas sempre que vem me ver me abraça orgulhosa.
Havia me esquecido de um dado importante. Sou uma árvore chique. Tenho um nome. Sabe qual?  Geni. Esse nome me foi dado pela Irene para homenagear sua grande amiga que, por coincidência, tem esse nome a minha protetora de olhos azuis.

Veja como estou linda! Foto tirada por Irene