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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Confissões de Laila.


LAILA
 Não sou enxerida. Muito menos fofoqueira. Mas gosto de prestar atenção em tudo o que acontece ao meu redor. Por causa do meu jeito lerdo e silencioso, chamam-me gorda, molenga, dorminhoca, e tantos outros adjetivos, alguns até elogiosos, como dengosa, por exemplo.  Mas, nesse meu jeito, vivo intensamente, aproveitando as horas para tomar banho de sol, dar minhas corridinhas e observar. Ah! Disso gosto muito. E até dou meus pitacos, embora seja criticada também por isso.

PITY
Meus companheiros diários são muito diferentes. Pity, sangue do meu sangue, em nada puxou a mim. Garota temperamental, mimada e cheia de vontades, quer sempre o privilégio no sofá, no colo ou no tapete. E  consegue, dengosa que é. Quando está disposta, quer brincar e me atormenta com seu chamado estridente; quando está de mau humor, sai de baixo... Irrita-se, fecha-se carrancuda e se encolhe no colo de alguém.

FRED
Frederico, o  Fred é mais doce, brincalhão e carinhoso. Estabanado, corre incansável de um lado para outro, fazendo muito barulho. Passa nas poças d’água molhando-se todo; enche-se de carrapichos. Do seu jeito, é muito feliz. Adora brincar com a Pity, com quem tem mais afinidade. Rolam pelo chão, disputam os mesmos brinquedos e raramente brigam.
Mas voltemos no tempo. Nasci e cresci num lar distante. Em um ambiente de rígida disciplina e com pessoas muito atarefadas, ficava quase sempre sozinha, sem espaço e sem com quem brincar. A solidão me sufocava e, para chamar a atenção, usava de qualquer recurso que encontrasse à mão, o que resultava em severos castigos. Inclusive físicos, acreditem! Mas nem por isso deixei em qualquer instante de amá-los. Reconheço que o que aconteceu foi apenas uma questão de inadaptabilidade. Minha e deles. Pena. Chegou um momento em que não dava mais. Nosso amor não foi suficiente para nos manter juntos. Rompemos e vim para cá.
O começo aqui foi difícil. Sentia muita falta de meu antigo lar e sofria por isso. Hoje já me sinto adaptada à nova vida. Sobrou uma saudade danada, que é mitigada quando eles visitam seus familiares. Nesses momentos, posso desfrutar seus carinhos, sem o estresse de quando vivíamos sob o mesmo teto.
Hoje nossa vida é legal. Dois sofridos partos e a vida sedentária de antes me fizeram engordar muito, o que dificulta meu deslocamento e justifica os adjetivos que me atribuem. Mas, mesmo assim, nossa vida é legal. Não nos faltam a atenção carinhosa, a alimentação caprichada, os cuidados com a higiene e a saúde. Até de minha gordura estão cuidando. Logo, logo, estarei novamente com um corpo de miss...
No inverno usamos roupas adequadas; nas demais estações, ostentamos sempre adereços coloridos, de acordo com a comemoração da época. Ficamos lindos e cheirosos. Estamos sempre juntos, os três. Eu e Fred moramos a menos de uma quadra rua acima, o que facilita nossos encontros e nos permite frequentes trocas de ambiente. O que um lugar ganha em aconchego, ao outro sobra espaço. Se um nos oferece um contato mais íntimo, no outro corremos pela grama, espantando os pássaros que pousam no quintal à procura de frutos e insetos.  É um vai-vem constante a registrar nossa presença, sempre cheia de muita vitalidade. E que ainda queima umas gordurinhas, rsrs.

MAX
Às vezes nossa rotina é quebrada, o que nos estressa. Isso acontece geralmente nos feriados prolongados, ou em dias de festa. Nessas ocasiões, invariavelmente recebemos visitas. São quatro amigos que chegam juntos, invadem nossos espaços e disputam conosco a atenção de todos.  Max, com problemas de saúde, depende de maior isolamento e inspira maiores cuidados. Mas quando se aproxima de mim, é um perigo. Vem com aquele olhar de cachorro morto, querendo coisas que já estão fora do meu repertório. Namorar é carta fora do meu baralho, mas ele não entende e insiste, o que me exige eterna vigilância.
YURI
Yuri já é mais dono de si. Arrogância justificada pela beleza, não posso negar. Com um andar imponente e corpo esbelto evidenciando cuidados com a estética, acha-se o dono do pedaço, mesmo sendo visita. Quando ele chega, não tem para ninguém. Isso nos irrita, mas nos resignamos. Sabemos que esses momentos são passageiros e que tudo voltará à normalidade. Assim, fazemos o possível para tornar nossa convivência pacífica.
PEDRITA E BELINHA
Pedrita e Belinha, mãe e filha, completam o quarteto. Suas visitas são menos frequentes, mas, quando chegam, monopolizam as atenções. Tomam posse de nossas camas e de nossos brinquedos, mesmo que suas bagagens sempre estejam lotadas de apetrechos. A gente se estranha um pouco, embora eu não dê muita bola.
As visitas desses quatro amigos são sempre prazerosas, pelo menos num primeiro momento. Quando mais demoradas, as disputas por espaço e atenção acabam por nos estressar a todos. Quando vão embora, fica o vazio da saudade, até que aconteça um novo encontro.
Para que essas minhas confissões sejam completas, não posso deixar de registrar um assunto penoso para nós. Não o conheci, mas sempre me emociono quando escuto a triste história de Toy que, lindo, educado, amoroso e muito comportado, acabou vítima da maldade humana. Como foi criado com muita disciplina, nunca saía sozinho e, quando acompanhado, obedecia prontamente aos comandos, sem pestanejar. Pity, a única que presenciou os fatos, me conta que, naqueles dias, as pessoas estavam vivendo dias muito tensos e, talvez por isso, todos baixaram um pouco a guarda.
TOY
Toy, procurando alguma coisa na calçada, encontrou o que pensou fosse uma guloseima. Qual o que! Na verdade, era uma armadilha que algum instinto perverso havia colocado ali. Ninguém percebeu a tragédia e ele veio a falecer, não sem antes agonizar, colocando para fora o veneno que ingerira. Comoção geral, tristeza infinda, saudade imensa, uma doce lembrança. Mas a vida tinha que continuar. Aí chegou o Fred. Depois vim eu, inicialmente para passar uma temporada, e um pouco daquele vazio acabou sendo de alguma forma preenchido.
Não sou enxerida. Muito menos fofoqueira. Minha idade e a lentidão dos meus movimentos me fazem mais atenta a tudo. Passo horas meditando, principalmente quando de meus banhos de sol. Pensando bem, tenho uma vida de rainha e, como gosto de história, resolvi fazer essas confissões, contando um pouco da nossa que, não fosse pela ausência do Toy, seria a mais linda história que alguém já viveu.
Como estamos em clima de festa, deixo a minha mensagem: Que o Natal aconteça em sua vida como um lindo momento e que o Ano Novo seja tão especial quanto você!
Laila 20/12/2011


 
        



terça-feira, 13 de dezembro de 2011

CONSUMATUM EST

Hoje, 31 de maio de 2010, Nair e Hirata, na qualidade de nossos representantes legais, encerraram o longo capítulo da venda da nossa querida casa em Araçatuba. Finalmente, os quinze herdeiros diretos terão direitos proporcionais à sua parte, como manda a lei. O valor? Ah! O valor... Pequeno para tantos herdeiros, quase simbólico. Diferente do valor emocional, este sim, imenso.
Rua do Fico, 211: endereço de tantas emoções dos mais variados matizes e de tantas histórias, vai ficar na lembrança de todos os que realmente conheceram a trajetória de um homem e seu sonho.
Silvio Bizzo, o patriarca, e sua esposa Josefina, ou Dona Pina, como era carinhosamente chamada, mais os cinco filhos – Evanir, Geni, Agenor, Nestor e Antenor – moravam na Rua Gonçalves Ledo, uma travessa da Rua do Fico, palco de nossa história. Dividiam uma casinha de quatro cômodos com Dona Olímpia e Arlindo, mãe e irmão do Sílvio, de quem dependiam depois do falecimento de seu velho pai, em 1950.
A casa era pequena e sem nenhum conforto para tanta gente, mas contava com água encanada e luz elétrica, regalias antes inexistentes. E o quintal oferecia uma grande mangueira, que nos brindava com sombra fresca em uma cidade de calor infernal.
Sílvio, carpinteiro de profissão e músico por vocação, à noite tocava seu velho sax-tenor e para suplementar o orçamento doméstico e alimentar seu sonho: possuir a própria casa. Sonho que vislumbrou tornar-se real quando pequena herança lhe forneceu os parcos recursos para iniciar seu projeto.
Ao final da Rua Gonçalves Ledo existia um velho casarão. Desse casarão seguia, no sentido norte, um caminho que levava à casa grande de uma grande e rica fazenda, de cuja proprietária só ficou o nome: Dona Ilda. Vendida a fazenda e loteada a área, o caminho converteu-se no que é hoje a Rua do Fico, palco de nossa história.
Que começou assim: o casarão da Gonçalves Ledo foi comprado pelo Sr. João Bertani. A casa, como todas naquela época, foi construída no nível da rua, fazendo sobrar terreno ao fundo. Com o loteamento da área, esse fundo passou a confrontar com a Rua do Fico, recentemente aberta. Era um pedaço de quintal, esburacado e sujo, mas que servia aos propósitos do Sr. Sílvio, então jovem e decidido. E ele conseguiu que o Sr. Bertani lhe cedesse a área: era lá que iria plantar a semente de seu grande sonho.
E aquele pedaço de terra começou a tomar forma. Sílvio era o pedreiro, o carpinteiro, o encanador, o pintor... E, além da ajuda de alguns amigos contratados, pegava também na massa (literalmente) sua esposa Dona Pina, grávida de sua última filha Nair. Nem os filhos maiores escapavam. Qualquer ajuda, por menor que fosse, era bem-vinda.
A casa começou a sair do chão. Três quartos, uma grande sala e cozinha. Sem nenhum acabamento, sem forro e calçada com tijolos à vista. Assim mudamos nós em janeiro de 1952, para fugir do aluguel e iniciar uma nova vida.
O quintal, todo cercado de balaustre, já ganhava nova cara. Meu pai plantou logo mudas de uva e minha mãe cuidava de um pequeno jardim. Em março nasceu a Nair pelas mãos de nossa avó materna, Dona Margarida. Cerca de um mês depois vó Margarida foi embora, para nunca mais a vermos: faleceu tempo depois longe de todos nós A vida seguia. Muita gente para alimentar, fogão de lenha, filhos pequenos na escola, muitas despesas, vida difícil. Para ajudar, minha mãe começou lavar roupa pra fora. Os filhos também começaram cedo. Para ajudar nas despesas da casa, mas também porque meu pai queria que todos tivessem profissão. Assim, encaminhou o Agenor para uma alfaiataria e a Vani para a costura. Eu ajudava nas roupas, inclusive buscando e levando as trouxas de roupa na cabeça. Nestor e Antenor, entrando na adolescência, ajudavam no serviço de meu pai. Paralelamente, fomos fazendo as melhorias na casa, com sobras de material das obras em que meu pai trabalhava. E isso apenas aos domingos: o sábado era dia útil, sim senhor. Semana inglesa era algo ainda muito distante.
E dá-lhe reforma: tira janela, põe janela, tira porta, coloca porta, sobe parede, derruba parede. Uma grande área coberta nos fundos, forro, cimento queimado de vermelhão no piso, depois tacos, nova pintura, venezianas, vitrôs, calçamento no quintal, muro, melhorias que comemorávamos com alegria, depois de concluída a fase. E não era nada fácil, para adolescentes que éramos, usar todos os domingos – inteiros – na reforma da casa, depois de uma semana inteira de trabalho. Como que a acompanhar a evolução da casa, a rua também sofreu muitas alterações nesses anos todos. No início esburacada, trilha de grandes boiadas, foi ficando diferente: alargada, asfaltada, arborizada. Hoje é principal artéria do bairro, muito movimentada, caminho para o aeroporto e saída para rodovias.  No ano de 1954, minha mãe começou ter dores de estômago. Não havia convênios, nem dinheiro para consultas. O jeito era ir-se medicando com remédios caseiros. A ida ao médico, em consulta particular, não resolveu muito: não se faziam exames detalhados e o diagnóstico e medicação eram insuficientes ou inadequados
O diagnóstico demorou a chegar. Câncer. Duas cirurgias com pequenas internações não minimizaram sua grande dor e ela faleceu em 1958, aos 37 anos. Expirou em casa, ao lado dos filhos, do marido, de parentes, vizinhos e muitos amigos. Seu corpo, esquálido mas sereno, foi velado na sala de nossa tão sonhada casa.
A vida tinha que continuar. E continuou. Os filhos, 17, 16, 14, 12, 9 e 6 anos permaneceram juntos com o pai a avó e o tio que tinha sérios problemas de saúde. Tudo continuou inclusive a dificuldade. Mas uma luz muita grande nos guiou. Trabalhávamos, estudávamos, e... dá-lhe reforma. Ah! Essa também continuou.
Durante 11 anos meu pai, que enviuvara aos 42, levou uma vida muito difícil em todos os sentidos. O trabalho pesado ao sol escaldante, a família numerosa, os parcos ganhos – não tinha registro em carteira – a falta da companheira, tudo contribuía para que, muitas vezes, explodisse sua insatisfação atingindo, de certa forma, os filhos que, apesar de o amarem e tentarem compreender, sofriam muito. Como já disse, todos trabalhávamos. Rendimentos minguados, que mal davam para completar as despesas com cadernos, livros, uniformes escolares, que eram passados de um para o outro ao final do ano letivo.
Fomos agraciados por Deus e por uma educação muito severa. Nosso pai nos passou valores como honestidade, garra e valor ao trabalho. Todos fomos muito bem na escola. A vizinhança achava lindo sairmos juntos, uniformizados – à noite, pois trabalhávamos de dia – para o colégio que era bem distante. Sempre acreditamos em Deus e a fé nos manteve unidos, com a certeza de que nossa mãe nos acompanhava do plano espiritual
A casa a tudo assistia. Algumas outras pequenas reformas foram feitas, mas faltavam eletrodomésticos. O conforto vinha somente das camas limpas e das refeições modestas mas saborosas, servidas numa grande mesa. A parreira não mais frutificou e foi substituída por uma goiabeira frondosa que, além da sombra, nos deu muitos frutos e, consequentemente, muitos doces.
Nesse período aconteceram outras tantas mudanças. Evanir – a mais velha – casou-se aos 20 anos com o Emmanuel e, após morar cinco anos em dois cômodos no pequeno quintal, que meu pai construíra para acomodá-los, mudou-se para construir a própria vida. O tio que morava conosco mudou-se para uma fazenda, onde foi trabalhar. Meus irmãos, buscando mudar de vida, prestaram concursos em estatais e, aprovados, seguiram seus rumos. Agenor, mais velho dos homens, ingressou no Banespa de Andradina e lá casou-se com a Vera. Hoje o casal, com os filhos já encaminhados na vida, moram em Indaiatuba. Nestor ingressou no Banco do Brasil de Três Lagoas, no antigo Estado de Mato Grosso. Eu comecei lecionar, primeiro em uma escola rural – viajava todos os dias – e, após concurso, passei a dar aulas no SESI. Antenor ingressou na Secretaria de Segurança Pública em Araçatuba mesmo. Finalmente, Nair, aos 18 anos, ingressou na Caixa Econômica do Estado de São Paulo, atual Banco Nossa Caixa, recentemente adquirido pelo Banco do Brasil
A vida começou a mostrar uma cara diferente. Meu pai conheceu a Maristela, uma cearense de Fortaleza, através de correspondência (essa é uma outra historia longa e muito divertida). Ela chegou a nossa casa já casada com meu pai. Foi quando a conhecemos.                       
Mudança radical. Nova adaptação. Eu, que era a dona da casa até então (por força do destino, diga-se de passagem), paulatinamente fui passando as atribuições para a nova integrante da família. Nós, de família italiana, nos adaptando aos costumes nordestinos e vice-versa. Maristela, com toda humildade, e nós também, com boa vontade e carinho, facilitamos a integração. O Nestor que trabalhava numa loja de eletrodomésticos comprou uma pequena geladeira e uma enceradeira. (antes fortalecíamos os braços com o escovão pesado). Muito tempo depois veio a TV.
A vida seguia tranquila. A gravidez de Maristela, então com 36 anos, evoluía normalmente. Permanecia no ar a alegria do tetra de futebol, conquistado pela equipe canarinho em Guadalajara, quando, em agosto de 1970, nascia Silvinho, para júbilo nosso. Mas o destino novamente nos surpreendeu. Maristela teve complicações pós-parto. Uma infecção hospitalar a manteve por longos dois meses entre a vida e a morte.
Assumimos o bebê, cuidávamos dela, da casa e trabalhávamos. Tivemos muita ajuda de vizinhos amigos, a casa era testemunha. Maristela sobreviveu, graças a Deus, e tudo voltou à normalidade. Em 1971, Nestor, já morando em Três Lagoas, casou-se com Marilene
Em 1972 Antenor tomou posse no Banco do Brasil de Cuiabá, no Estado de Mato Grosso, e lá conheceu Dôia, com quem se casou, em 1973. Enviuvou e casou-se posteriormente com Valda.
Também em Maio de 1972, após prestar concurso para o magistério de São Paulo, ingressei em uma escola da periferia da capital. Durante esse ano, hospedei-me na casa de Agenor e Vera que, nessa época, moravam em Santo André. Posteriormente, mudei-me para um pensionato onde permaneci por um tempo antes de montar meu apartamento em São Bernardo do Campo.
Em 1975, Nair casou-se com Hirata. Permaneceram por uns tempos em Araçatuba ­ – ambos trabalhavam na Nossa Caixa. A transferência do local de trabalho fê-los mudarem-se para Rio Claro, no estado de São Paulo.
Em 1977, a Evanir separou-se do marido e foi, com seus quatro filhos menores, para São Bernardo do Campo, retomando o contato com os irmãos, de quem havia se distanciado por imposição do marido A casa, outrora tão habitada, abrigava agora apenas o casal, o Silvinho e nossa avó que veio a falecer em 1974, sendo velada na mesma sala onde minha mãe o fora.               
Parece incrível: para buscarmos nossos lugares ao sol, todos tivemos que deixar nossa cidade natal. O que nos prendia, agora, era somente a casa, que nos permitia lindos e carinhosos encontros.
A rotina da casa mudou completamente. O atropelo de antes, gerado pela necessidade de acomodar tantos moradores, era maior agora, pois aos filhos somavam-se netos e agregados.  O maior atropelo era compensado pelo maior prazer de estarmos todos juntos, coisa que procurávamos fazer nos feriados prolongados e em datas importantes.
Quando não havia nada a comemorar, inventávamos. O importante eram os encontros, era estarmos reunidos, mesmo que mal acomodados. Acolovelávamo-nos nas camas improvisadas pelo chão.
Uma extensão da casa foi improvisada: a área sob a copa da goiabeira. Nela colocávamos mesas, cadeiras, som, e ali fazíamos nossas refeições, jogávamos carta. E dá-lhe prosa!
Nas conversas que varavam as madrugadas, “resolvíamos os problemas do país e do mundo”. Evocávamos nossas lembranças e travessuras. As crianças sempre participaram de tudo. Silvinho, irmão com idade de sobrinho, fazia parte do grupo.
Quantos encontros! a Páscoa e a caçada ao ovo, o Natal (o Papai Noel era eu), o carnaval, com fantasias e brincadeiras. Antenor e Dôia eram muito criativos e divertidos. Ele dizia sempre que o mais importante nos encontros era a “moagem”.
Todos nos arriscávamos na cozinha com variados pratos. Ríamos muito, chorávamos também, emotivos que somos. Quando se falava em hotel, ninguém se animava a ir, embora alguns tivessem condições para tanto. Preferíamos todos ficar juntos.
Meu pai ficava feliz, embora quem desse as cartas agora fôssemos nós e Maristela. Ele aguardava ansioso a chegada dos filhos e netos. Chorava com frequência e a tudo aceitava.
Em 1990, Silvinho também deixou a casa. Foi para Cuiabá, trabalhar e morar com nosso irmão e seu padrinho, Antenor. Foi lá que casou-se com Kiti, dois anos depois. Meu pai trabalhou (no pesado) até a idade avançada, trabalhador inveterado que era. Aposentou-se apenas quando já contava 65 anos. Aos 73 anos teve diagnosticado câncer na mandíbula; ficamos tensos. Tristes lembranças voltaram à tona.
A cirurgia e a subsequente radioterapia foram bem sucedidas, e o velho ficou curado da doença. Mas os efeitos colaterais o abateram muito. A alimentação era especial e, mesmo assim, ele a tomava com dificuldade. Nunca se revoltou. Aceitou primeiro o tratamento difícil e, depois, sua rotina de privações. Mas nunca o ouvimos reclamar da situação.
Nossas visitas agora eram mais frequentes, e procurávamos nos revezar, para que sempre existisse alguém por perto. Passaram-se 12 anos até que ele veio a piorar com complicações pulmonares decorrentes do cigarro, que nunca abandonou. Nesse tempo, nossas condições financeiras eram outras. Pudemos dar-lhe assistência médica melhor e nunca permitimos que lhe faltasse qualquer coisa. Sua esposa estava sempre ao seu lado. Quando, aos 85 anos, veio finalmente falecer, estávamos em plena semana santa do primeiro ano do novo século. Sua passagem foi serena, em presença da esposa e filhos e alguns netos em um quarto de hospital (não permitimos UTI). Foi velado na capela funerária da cidade, rodeado dos sete filhos, de dezesseis netos e 5 bisnetos, além de  familiares e amigos.
A casa, bem... A casa ficou triste e sombria, sem seu idealizador. Maristela lá permaneceu por mais um ano. Voltamos algumas vezes, mas não era a mesma coisa. A cadeira de balanço vazia. O saxofone empoeirado, até a goiabeira já não produzia tanto, seus galhos foram cortados para não incomodar a vizinha.
Em 2001, Maristela foi morar com seu filho e nosso irmão Silvinho, agora em Brasília. A casa ficou vazia de pessoas, embora continuasse com a mesma velha e simples mobília que por tantos anos nos serviu.
Em 2006, Silvinho, após divorciar-se de Kiti, casou-se com a Tati. Maristela optou por vir morar em Rio Claro, perto de nós, pois eu e a Evanir, nessa época, já tínhamos vindo nos juntar à Nair.
Impasse. O que fazer com a casa? Opiniões divergentes. Para mantê-la vazia, alguém deveria assumir despesas com limpeza e vigilância. Voltar à casa sem ninguém para nos receber? Optamos então por alugá-la, o que renderia um pequeno valor a mais na conta da Maristela, completando sua pensão.
Mas... Ilusão. A casa, que era ótima para nós, sentimentais que somos, não tinha o conforto necessário: encanamento e fios elétricos velhos, ferragens deterioradas.  O inquilino pobre – e sem o carinho do dono – contribuiu ainda mais para a decadência e, o que é pior, não fazia os pagamentos em dia. Por que mantê-la assim? Desgastes muito grandes para resolver problemas insolúveis com pessoas inescrupulosas.
Optamos por vendê-la. E, aí, novos problemas surgiram. O inventário da minha mãe não havia sido concluído. Além disso, outras intercorrências dificultaram o andamento do processo. Em 1997, faleceu Dôia e, em 2002, seu marido e meu irmão Antenor. Em 1998 faleceu Emmanuel, ex-marido da Evanir, o que contribuiu para embaralhar tudo. Inúmeras vezes o trabalho foi reiniciado, em nenhuma delas foi concluído, tantos e tamanhos eram os problemas.
Brincávamos muitas vezes, quando falávamos que nossa herança só nos dava despesas. Viagens e mais viagens, telefonemas e mais telefonemas, problemas e mais problemas.
Nair e Hirata acabaram por assumir essa responsabilidade por desatar os muitos nós que emperravam o processo. Criteriosos como são, fizeram os contatos com o advogado, documentaram tudo e fizeram chegar aos herdeiros a importância devida a cada um. Como disse no início, muitos herdeiros para pouco dinheiro. Mas, de certa forma, ficamos felizes. Não tanto pelo dinheiro – pouco – mas pelo prazer de ver finalmente resolvido um problema que imaginávamos insolúvel.
A sensação do dever cumprido, o carinho como tudo foi tratado, nos dá a certeza disso. Sabemos que nosso pai (e também nossa mãe) está feliz, porque honramos e cuidamos até o final daquele patrimônio que ele tanto amou.
Temos a certeza de que ele está feliz, em outro plano. Sua morada lá, se for uma réplica daqui, deve ser aconchegante tanto quanto esta o foi.
O que o novo proprietário vai fazer não nos interessa. Para nós, aquele pequeno pedaço ficará registrado em nossa memória e, se faço agora estas anotações, é para que as crianças (agora não tão crianças) possam conhecer um pouquinho da nossa trajetória, tendo eles como coadjuvantes.
Quando virem as fotos antigas vão dizer: Não é que é verdade?
Enfim... Missão cumprida!!!
01/06/2010
Geni D. Bizzo 
Revisão – Nestor L. Bizzo
Fotografia – Claudemir Hirata

Abaixo a foto tirada no dia em que foi confirmada a transação da venda.

Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.
Cora Coralina
Agosto/2010

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Peripécias de crianças

  
Peripécias de crianças
Não fui agraciada com a maternidade. O maior desejo da juventude, porém, foi compensado na idade adulta pela presença constante dos sobrinhos. Ao me cercarem de atenção e carinho, preencheram um vazio que, a bem da verdade, nem chegou a existir, tamanha era a cumplicidade em nossa convivência. Lá se vão quase cinco décadas do dia em que o primeiro veio ao mundo. Daí aos dias de hoje, são tantas as histórias vividas e repartidas, tantos momentos agradáveis (ou não), que de tudo me lembro sempre com muita emoção e saudade. Falar um pouco da infância de cada um – sua característica, seu jeito de ser – foi a maneira que encontrei de homenageá-los. Democrática e pedagogicamente, vou fazer a narrativa na ordem cronológica dos nascimentos.
1962 Édson.
Edson e Silvana
O primogênito de Evanir estava com quatro meses quando o conheci. Era lourinho e de olhos muito azuis (que evoluíram para um esverdeado não menos bonito) que pareciam duas bolinhas de gude. Chorei de emoção ao vê-lo.  Lembro-me de que ficava horas contemplando enquanto ele sugava o peito da mãe  nas longas mamadas. Seus pais vieram morar em uma pequena casa nos fundos do nosso quintal, o que gerou uma convivência muito intensa ao longo de cinco anos. É dessa época um fato que tenho registrado na memória. Sua mãe costumava ficar na cama até um pouco mais tarde. Todos os dias, o pequenino – não havia ainda completado três anos – ficava na ponta dos pés para retirar a chave da fechadura e passá-la por debaixo da porta, para que a abríssemos e ele pudesse vir até nós para se fartar das bolachas que tínhamos sempre guardadas. Podíamos resolver diferente, mas adorávamos quando ele dizia do outro lado, enquanto entregava a chave: "Tia, dá 'boaça'!”. Édson foi, e é, o sobrinho-irmão pau para toda obra, principalmente nas muitas das minhas mudanças. Sempre prestativo, era – e é – o eletricista, o encanador, o marceneiro, o carregador, o motorista... Falar sobre essas coisas mereceria um capítulo à parte. Por ora, fica o registro de minha gratidão.
1965 Silvana.
Também filha de Evanir. Da amiga de convívio diário, tenho marcada na lembrança o dia em que veio ao mundo. Eram seis horas da tarde e eu me preparava para colar grau como professora quando vem a notícia: A bolsa estourou! Um sufoco. Na correria, eu, sem saber o que fazer. Queria ver a criança nascer, mas não podia faltar à solenidade. Tive que trabalhar minha ansiedade pra fazer as duas coisas.  Quando cheguei, ela – era menina, fiquei sabendo – já havia visto a luz ali mesmo, no pequeno quarto de seus pais. Gravei a imagem: uma linda e mirrada moreninha. Como moramos próximas, estamos sempre juntas, numa troca constante de carinhosa atenção e cuidados. É minha grande companheira, apesar da grande diferença de idade e dos sérios problemas de saúde que enfrenta.
1967 Shirlane.
Shirlane
A caçula das mulheres filhas de Evanir. Infelizmente, a teia que o destino insiste em tramar nos ofereceu poucas possibilidades de convívio nos seus primeiros anos. Só poucas vezes a vi ainda em criança. Assim mesmo, em rápidas visitas. Nosso contato mais íntimo começou quando ela – já com dez anos – mudou-se com a família para São Bernardo do Campo. Mas ainda não seria dessa vez que nos aproximaríamos. As dificuldades com as inúmeras adaptações para a nova vida: cidade grande, escola, nova estrutura familiar, situação financeira apertada, tudo isso combinando com a pré-adolescência, mais minha sobrecarregada carga de trabalho, acabaram por criar raríssimas oportunidades de um convívio mais intenso.  Meu registro fica por conta de seu prematuro casamento. Ainda uma menina de olhar amedrontado, com uma gravidez precoce (não completara ainda dezesseis anos) parecia uma boneca no seu vestido de noiva, na reunião improvisada que fizemos, meio às pressas, para que ela pudesse fazer daquele dia um momento especial. A felicidade do momento disfarçava a ansiedade. Sorria doce e tímida, na expectativa de brincar com seu bebê que preencheria o espaço da boneca que ela não tivera. Mulher feita, continua a meiga e carinhosa dona de um sorriso lindo. Já madura, enfrenta suas lutas, inclusive interiores. Estamos constantemente conectadas.
1969 Érico.
Nos seus primeiros anos de vida, o primeiro filho de Agenor era um menino muito clarinho, com as faces sempre rosadas e um lindo e aberto sorriso. Essa imagem, até hoje muito nítida em minha retina, foi o que registrei ao chegar a sua casa em São Bernardo do Campo. Era de manhã, e ele já no chiqueirinho, rodeava o espaço em seu macacão de bichinhos, dando pulinhos para que o pegássemos. Não estranhava a ninguém. Dele tenho registrada outra imagem forte: sentado na cadeirinha da bicicleta de seu avô materno, vinha nos visitar, todo faceiro. Hoje Erico está fora do País, mas nosso contato é constante e sempre muito prazeroso. É atencioso, característica que traz da adolescência. Busca sempre ajudar, preocupado em resolver os problemas de todos.
1970 Alexandre.
Érico,Alexandre e Rodrigo
 Segundo filho do Agenor. Contava apenas seis meses quando me hospedei em casa dos seus pais, para ingressar como professora em uma escola de São Paulo. O que tinha de bonito, tinha de arredio. Não foi fácil conseguir que ele aceitasse meu colo e se apegasse a mim, pois só aceitava a mãe. Dele lembro-me bem de um fato. Aconteceu quando, no retorno da escola, no final da manhã, minha cunhada me intercepta e, olhar maroto, diz: "vá ver seu sobrinho!". Tenho por característica a preocupação exagerada. Gelei. Que terá acontecido? Ao vê-lo, meu coração disparou. Encontrei um pequenino inchado, coberto de hematomas, dentinhos de leite quebrados... Deus! Que terá acontecido? Vera contou-me: havíamos mudado recentemente para uma casa assobradada. Ele, voluntarioso, quis descer a escada sozinho e, ainda, com as mãos ocupadas com brinquedo. Não deu outra. Rolou escada abaixo, machucando-se todo e quebrando os dentinhos que mal tinham nascido. Hoje, mais comportado e acessível, continua lindo e muito apegado à família.
1971 Edilson.
Edilson
Caçula de Evanir. Também dele o destino me privou do contato. Conheci-o quando já estava para completar sete anos. Lembro-me de sua chegada para o nosso convívio, de como ele ficou perdido no meio daquela gente desconhecida, de comportamento tão diferente, com quem teria que conviver. Era muito danado e peralta. Dava baile em todo mundo. Meu registro fica por conta de uma internação. Aos oito anos, quebrou alguns dedos dos pés e, logo depois, teve nefrite. Por isso e pelo seu comportamento já era bem conhecido dos atendentes no hospital. A inflamação nos rins exigia repouso absoluto, o que poderia perfeitamente ser feito em casa. Sua mãe trabalhava fora o dia inteiro e não poderia estar com ele. Deixá-lo só, nem pensar. Meu irmão, então, conseguiu que o hospital o aceitasse para o período de recuperação. Foi a forma encontrada para mantê-lo quieto, agitado que era. Hoje homem feito, é muito carinhoso e emotivo., Está sempre presente em todas as situações e para isso não mede sacrifícios. Vibra com o sucesso de todo mundo e sempre chega junto nas situações difíceis.
1972 Glaucia.
Filha de Nestor.  Branquinha, grandes olhos brilhantes, sorriso aberto mostrando lindas covinhas, rostinho corado e fartos cabelos pretos. Assim era a Gláucia que tenho na memória, caminhando no quintal da quente Três Lagoas.  Adorava dançar. E era toda vaidade, nos vestidinhos longos que escondiam suas pernas torneadas e roliças quando rodopiava nas festas que fazíamos por ocasião dos aniversários. Gláucia também mora longe, mas conversamos muito e sempre que possível nos encontramos. Está mais emotiva ainda e não raro seus lindos olhos enchem-se de lágrimas quando falamos dos assuntos da família e das nossas reminiscências.
1975 Rodrigo.
Caçula de Agenor. Aquela coisinha linda e fofa era muito paparicada por todo mundo. Morávamos perto e, por isso, nosso contato foi muito grande em seus primeiros anos de vida.  Autossuficiente foi desde muito cedo independente em suas reinações. Muitas são as histórias das viagens e aniversários, mas o que mais me vem à memória  são as traquinices, que nos deixavam preocupados. Como das vezes em que saíamos para fazer compras no shopping. Ele invariavelmente se escondia enroscando-se nos manequins e cabides, com um agravante: sempre de uma loja diferente daquela onde estávamos. Seus pais ralhavam com ele, mas com nenhum sucesso. Num instante lá estava ele novamente distante de nós. Foram muitos nossos momentos juntos, até que ele se tornasse adulto. Por força de seu trabalho, hoje pouco nos vemos. Fica a falta que sinto dos nossos papos filosóficos e sobre letras de canções, assuntos sobre os quais temos muitas afinidades.
1975 Gustavo.
Gláucia e Gustavo
Segundo filho de Nestor, loiríssimo, de olhos negros como jabuticabas. Tímido e ao mesmo levado da breca, aprontava das suas às escondidas. Mais ainda quando se juntava ao seu tio Silvio para provocar os mais novos, geralmente seu irmão Guilherme e a prima Renata. Nas brincadeiras e jogos que fazíamos, era invariavelmente o vencedor. E não adiantava pedir colher de chá. Talvez por levar tudo muito a sério, talvez para irritar, talvez por um e outro, o certo é que ganhava sempre.  Certa vez , tinha perto de sete anos, subiu no muro de casa. Não deu outra: caiu no grande quintal do vizinho, quebrando a clavícula. O que fez em seguida marcou o fato. Em vez de sair pelo portão, como seria normal, pulou o muro de volta, sem um gemido, vermelho de dor e raiva. A experiência fê-lo sossegar um pouco, embora às escondidas continuasse reinando. Vemo-nos principalmente nas festas e nos feriados prolongados. Continua tímido e calado, mas muito atencioso e presente.
1976 Carolina.
Primeira filha de Nair. Acompanhei-a desde a maternidade. Fofucha, linda e muito calminha. Sua acomodação no berço chegava a me preocupar. Várias vezes a sacudia para acordá-la e me certificar de que estava tudo bem. Desde cedo mostrou personalidade forte: ao deixar a chupeta, ao aceitar as botas para correção dos pés, ao respeitar os horários de dormir. Mesmo sendo uma garota disciplinada, aprontava das suas, principalmente com os menores, quando se juntava ao tio e primos. Carol continua muito ligada a nós todos pelas lindas lembranças e saudades que deixou.
1978 Renata.
Renata e Carolina
Filha mais nova de Nair. Uma criança linda e muito meiga. Não estranhava a ninguém e, mesmo antes de andar (o que aconteceu cedo), adorava dançar, sempre muito sorridente. O que marcou a primeira infância da Renata foi sua linguagem do tibitati Até os cinco anos, enrolava tudo quando falava depressa e achávamos graça quando queria “tescar techinho”,  quando queria ter um “tafoinho” e tantas outras palavras do seu dicionário particular. Outra particularidade era quando, com os primos, brincava de pique-esconde ou gato mia ela sempre gritava: “Segunda” porque achava que nunca seria a primeira, tal eram as “zoadas” dos primos e irmã. Renata também está longe geograficamente, mas somos muito próximas,  porque nos vemos com regular  frequência, pessoalmente ou pelo Skipe.
1978 Guilherme.
Guilherme
Filho caçula de Nestor e meu afilhado de batismo. E foi justamente por ocasião do batizado que vivemos um momento inesquecível. Para padrinhos, a mãe convidou seu irmão e a mim. Como ambos morávamos em cidades diferentes e ambas distantes de Três Lagoas, onde se daria a cerimônia, acertamos uma data que atendesse a todos. O tempo passou e, quando finalmente pudemos conciliar uma data, ele já havia completado três anos. Chegamos antes, é claro, para aproveitarmos mais e fazer as brincadeiras costumeiras. Começamos a falar que iríamos temperar o Gulherme, que o padre colocaria óleo, sal e depois vinagre, para ele ficar “no ponto”. O menino ria, mostrando sua linda covinha. Mas isso foi até chegarmos ao batistério. Quando ele viu a movimentação, abriu um berreiro que a custo conseguimos mantê-lo sossegado no colo. Esta é uma das muitas histórias e brincadeiras, a mais marcante, talvez. Moramos relativamente longe, mas o nosso contato é grande. Afinal, madrinha é madrinha.
1989 Aline.
Aline
Filha de Antenor. Tramas tecidas pelo desatinado destino, que muitas vezes fogem à nossa compreensão, permitiram-me conhecê-la pessoalmente quando já adulta, embora acompanhasse ao longe sua trajetória. A demora foi compensada pela alegria de conhecê-la e de poder compartilhar bons momentos com ela. Falamos-nos com certa frequência e espero que possamos compensar o tempo  que antes não tivemos.
1991 Fabrício.
Fabrício
Também filho de Antenor.  Lindo, rechonchudo e muito paparicado. Sua travessura era jogar da janela do sexto andar onde moravam tudo o que encontrava pela frente: chupeta, brinquedo, enfeites. Ele sempre achava um jeito de encontrar buracos nas redes de proteção das janelas, providencialmente colocadas por seu pai. E, quando não os encontrava, providenciava um novo, para levar adiante sua rotina de ver cair os objetos que atirava. Frequentemente, o pai tinha que recolher tudo, muito bravo pela vergonha de sempre ter que justificar a mania do filho mimado. Ele é o sobrinho que está mais longe e, por conta da morte de seu pai, as visitas se tornaram raras. Falamos-nos vez em quando, menos do que eu gostaria.
1992 Bárbara.
Primeira filha de Sílvio – Cabelinhos castanhos encaracolados, um lindo sorriso tímido. Assim era essa menina que até hoje conserva uma meiguice ímpar. Nosso contato só acontecia nas férias, quando visitava os avós em Araçatuba, ou quando acontecia – coisa rara – de irmos a Cuiabá, onde morava. Sempre se enroscava no meu pescoço, demonstrando sua natureza carinhosa e tranquila. Sua emoção está sempre à flor da pele e chora com frequência, extravasando suas saudades e alegrias. Por conta da faculdade, hoje está longe de todos, inclusive dos pais. Mas isso não a impede de ser muito presente em nossas vidas.
1994. Beatriz. 

Beatriz e Bárbara

Também filha de Sílvio. O oposto de sua irmã. Lourinha, olhos vivos e muito sapeca, mas também muito meiga e carinhosa. Ela devia ter menos de dois anos – não me lembro bem – quando estive com eles. Beatriz teve catapora muito violenta e parecia estar vestida com bolinhas vermelhas, tantas eram as berebas em seu corpo. Saímos para dar uma volta.  Ela, no meu colo, chorava desesperadamente e eu não sabia como segurá-la, tal era o desconforto da menina. Essa foi sua marca da infância registrada na minha memória. Felizmente, só na memória, pois seu corpo não registrou qualquer sequela. É uma linda moça e hoje nos vemos com frequência maior do que quando ela era criança.
2010 Giovanna.
Giovanna
A caçula de Silvinho.  Quase cinco décadas separam a Giovanna de Edson. É a nossa mascote. Graciosa, sorridente. Bailarina nata nos dá mostras de que vai ser muito feliz. É inteligente, sorridente e já faz suas reinações. Estou acompanhando seu desenvolvimento e tenho certeza terei muito o que falar sobre ela.

Esta é uma pequena homenagem que faço para meus sobrinhos. Sou muito grata a Deus por tê-los sempre por perto e grata a eles por serem tão presentes em minha vida.  Existem 14 sobrinhos-netos, entre eles Rafael, meu afilhado querido. Mas essa é matéria para outra oportunidade.  É um longo novo capítulo.
Quem tem sobrinhos como esses nem se lembra que nunca pariu.    Tia Ge