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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

DO RE MI

                                              

Quinta-feira. Na ampla sala sem mobílias, piso de tijolos à vista, (tão brancos, alguns já côncavos pela ação da escova e da soda cáustica, mania de limpeza de Dona Pina), o professor Zélio conduz o ensaio de sua orquestra. Que festa! À frente dos bancos dispostos aos pares, estantes dobráveis seguram as partituras, num cenário que recebe os velhos e jovens integrantes, meu pai entre eles.

O maestro agita a batuta. Alguém saiu do tom. Começa tudo outra vez. Os metais com seus sons estridentes. O trombone atrevido, o pistão com surdina. Por que não tem baixo tuba? Tão bonito aquele arco enorme sobre a cabeça... Por que será que só tem na banda? Mas gosto mesmo é do som manhoso do sax-tenor. Pudera, é meu pai quem toca, e me enche de orgulhosa felicidade.

Coloco-me ao lado do cantor, para poder acompanhar as letras das músicas, apesar dos meus dez anos. Gosto dele. Será porque canta bem ou porque é tão jovem e bonito? Nem sei...

Eu amo a música. Às vezes, até canto para o meu pai, nos momentos em que ensaia sozinho. Ele fala dos compositores, nomes que minha pouca idade não permite gravar. Mas me agradam as letras, que decoro facilmente. Gosto de baião, mas como são românticos os boleros!

O tempo passa que nem vejo. São já dez horas da noite. A alegria acaba, amanhã é dia de batente. O sono pesado é embalado pelas notas musicais gravadas na memória. De manhã, para não esquecer, cantarolo as músicas, enquanto brigo com panelas, fogão de lenha, vassoura: os pés no chão, a esperança de dias melhores.

Ser cantora? Sei lá. É tão complicado...

Hoje seu velho sax guardado descansa...




A música continua fazendo parte de nossas vidas

Dilema ético

Frederico e eu percorremos o caminho ladeado por acácias carregadas de cachos dourados, comuns nos meses de novembro, e que nas manhãs de clima ameno exalam um suave perfume.
Converso com Frederico, mas ele não responde. Pudera, Frederico é meu fusca vermelho, companheiro constante em minhas idas para o trabalho, uma indústria de produtos químicos e de equipamentos para tratamento de água para caldeiras. A Engeltec – esse é o nome da empresa – fica próxima à rodovia, às margens do pequeno rio Baguaçu, que abastece a cidade Santo Antonio do Aracanguá.
Nessas minhas pequenas viagens diárias, vou conversando com o Frederico, mesmo com o risco de ser chamada de doida por pessoas que encontro no trajeto e que podem perceber o “diálogo” animado com meu amigo. “Coitada, falando sozinha..”, diriam elas. 
Evito a rodovia. Sigo por um caminho de terra que mais parece uma picada tortuosa. Frederico não reclama. Conhece as pedras do caminho e aprendeu a desviar dos buracos que enfeitam a estrada com suas formas arredondadas. Na paisagem, algumas palmeiras com seus cachos amarelinhos de coquinho babão parecem querer competir com as acácias. Mais além as paineiras estalam suas bolotas sob o sol escaldante e forra o campo com suas plumas, verdadeira neve de verão. Alguns animais pastam calmamente, alheios aos passarinhos que, agarrados aos seus lombos, se refestelam com os parasitas.
Continuo observando a paisagem, como sempre faço. Mas uma sombra de nostalgia enuvia meu semblante. O dia hoje tem cheiro de despedida. Pode ser minha última viagem.  Tento, em vão, não pensar no que vai acontecer depois de hoje.
Explico melhor: sou engenheira química. Eu e mais de duzentas pessoas dependemos da Engeltec para viver. Dias atrás, observei uma avaria num dos condutos que dá passagem a um líquido tóxico que, se despejado na natureza, irá contaminar o meio ambiente. Para repará-la, seria necessário interromper todo o processo produtivo por  um mês, no mínimo.
Comuniquei o fato ao presidente da empresa. Ele pediu que guardasse segredo, pois parar a fábrica iria significar a demissão de muitos funcionários, o que certamente iria acarretar uma crise local, numa região já tão carente de empregos.
Mas me calar significa permitir que não se corrija a avaria. Significa aceitar o vazamento do líquido tóxico, com a previsível consequência: contaminação das águas do rio, prejudicando a vida aquática e os habitantes que usam suas águas. Se falar, serei despedida. Meu Deus, o que fazer?
Minha cabeça ferve. Há uma confusão de pensamentos e sentimentos conflitantes com o que aprendi e as necessidades do mundo moderno.
Por um lado, o rio que me traz muitas lembranças. Foi a escola de natação de meus irmãos e coleguinhas que, escondidos das mães, mergulhavam em suas águas, ignorando os perigos que corriam. Foi também o rio onde meu pai e vizinhos muitas vezes passavam os dias de domingo na pescaria animada que combinava lazer e necessidade. Pelo menos uma vez por semana, um peixinho fazia a festa na mesa.
Por outro lado, a dura realidade deste mundo que mudou; a população que cresceu muito e desordenadamente. A tecnologia foi aprimorada para atender às necessidades que surgem. E não podemos ficar com saudosismos, afinal, gostamos do conforto que ela oferece.
Como conciliar as duas situações? Os chefes de estados e homens da ciência trabalham no sentido de minimizar os efeitos nocivos do progresso, criando leis com mecanismos que obrigam as indústrias a preservarem o meio ambiente. Mas acidentes como este acontece, bem sabemos.
Fui educada de forma a sempre me posicionar. Meu saudoso pai, embora adepto de uma educação austera que não dava direito à réplica, dizia sempre que mais vale uma consciência tranquila do que deixar que o medo nos domine. Dizia ele que o medo não tem tamanho e pode nos acorrentar numa grande bola de neve.
No trajeto, vejo plantações de algodão e de milho, onde os pequenos agricultores lutam com os parcos recursos financeiros para tocar um roçado que depende totalmente da água do rio para irrigar suas roças.
Sentindo o cheiro doce das espigas que explodem, tomo uma decisão: vou comunicar ao meu presidente que farei chegar esse acontecimento até as autoridades competentes e à imprensa. Daí...
Seja o que Deus quiser.

Texto sugerido em aula de oficina literária  FTI- em negrito: O tema

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Faculdade da Terceira Idade

No ano de 2005 foi criada em Rio Claro a Faculdade da Terceira Idade por iniciativa da senhora Licia Perin em conjunto com as Faculdades Claretianas. Como moradora recente na cidade, vi uma boa oportunidade para conhecer pessoas e me envolver em atividades que facilitassem minha integração. Ao final do primeiro semestre a coordenadora Andréia Nadai sugeriu uma festa de confraternização entre as três classes solicitando que cada interessado fizesse inscrição para apresentação de números artísticos variados. Como tenho hábito de anotar tudo achei oportuno selecionar palavras relacionadas ao conteúdo de cada aula fazendo uma brincadeira para quebrar a seriedade do momento. Ficou assim:


Passeio - Fazenda Conde do Pinhal
São Carlos

Faço hoje uma pequena avaliação dos momentos vividos nesta escola.
Como uma adolescente tímida, cheguei pela primeira vez neste salão um lugar estranho para mim.  Estava cheio de pessoas desconhecidas, todas conversando alegremente. E eu, sozinha num canto, observando atentamente. — Meu Deus, no que vai dar isso? O que estou fazendo aqui? Matriculei-me da Faculdade da Terceira Idade cujo espaço foi cedido pelas Faculdades Claretianas, mas, como não sou de Rio Claro não conheço ninguém. Então fiquei o tempo todo só observando. O primeiro dia foi reservado para as apresentações e esclarecimentos sobre as atividades uma vez que tudo era novidade.
Começaram as aulas, salas cheias (três). Como crianças no ensino primário, chegamos ansiosos e sempre os que chegam mais cedo buscam os melhores assentos. E ainda como alunos, guardam lugares para os amigos.
Turma heterogênea, o pessoal não entende muito os objetivos do curso. E a drª Lícia, idealizadora do mesmo, paciente leva tempo em explicações. A Andréa – coordenadora - pede sugestões e faz avaliações, mas parece que há alguns desapontamentos. Falta compreender algumas coisas e definir outras. Como serão as oficinas? Onde vão acontecer? E as camisetas: de que cor? Terá o logo da faculdade? Etc. etc. etc.
As aulas (duas x por semana) englobam assuntos gerais sobre o envelhecimento, doenças, tratamentos, profilaxia e as oficinas (ioga, ikebana, dança informática).
Surge um inevitável choque de interesses. Muitos não querem ouvir falar em doenças. Dra. Lúcia, por sua vez, retruca que a turma do BBB (bolo, bingo, baile) só quer saber de festa, e que a coisa não é bem assim. Em meio à discussão generalizada, ficava eu, lá no meu canto, só observando. As coisas foram finalmente se ajeitando. Acertos aqui e ali e a turma foi entrando nos trilhos.  Foram formados subgrupos e começaram a surgir os embriões de sólidas amizades.
Chegamos ao fim do semestre uma reunião legal (3ªidade adora festa) onde cada aluno pode apresentar um número artístico.
Agora, aquela mulher tímida (eu) já totalmente integrada pede licença para ler a avaliação do curso com o entendimento que teve da proposta da escola e das aulas trazidas por especialistas.  ­ - Atenção Andréia e dona Lícia.
Bem...  Nesse semestre...
Eu aprendi que, de acordo com Platão, a menopausa está diretamente ligada à transcendência. Aprendi com Kafka que a ceratonina é responsável pelo envelhecimento demográfico. E com Sócrates aprendi que o colesterol e o cognitivo do autoconhecimento prejudicam a córnea (acho que tem ligação com o futebol).
E muito importante: Nunca vou me esquecer de que Sheakspeare busca a felicidade na reposição hormonal, que está diretamente ligada ao PROCON, e que a memória do Windows e as ações do mouse representam os arquivos da quadrilha na festa junina.
Tive um insight quando me falaram que Freud estudou os hormônios da realidade possível, cujo condicionamento – aliado à sístole e à diástole – provoca um ato compulsivo na transição do oxigênio na labirintite.
Aprendi que o quarto vazio é um lugar distante da finitude moral e a identidade está ligada aos nutrientes da osteoporose. E Platão nos ensinou sobre o direito do consumidor que, através da solidariedade, entra em conflito com a ikebana nas relações interpessoais.
Aprendi a receita mais perfeita que já conheci para se ter uma dieta balanceada.  Isso aconteceu no passeio a Corumbataí. Comemos pouco, pães, doces, tomamos sucos pouco calóricos e em pequena quantidade (isso foi o que dissemos). Caminhamos ao ar livre numa aula de história perfeita. (saudosismo).
Tudo isso é brincadeirinha, porque, neste semestre:
Eu aprendi...
Com a Eisle, animada na sua figura do noivo feliz com a gracinha da Madalena, na seriedade do traje da noiva na festa junina eu aprendi a o que é alegria. Com a Iandara, aprendi o que é a luta pela vida tendo em vista uma saúde frágil.
Com a elegância da Sara – sempre séria, mas muito simpática – conheci a imagem da serenidade. Já com a Siclay, vi que nome difícil pode significar amizade fácil. Com a querida Rose, a nossa caçulinha consumista aprendi que a diferença de idade não conta.
Já com a Stela, que só nos fala da lista, (não é mesmo, Batista?) aprendi que a organização é necessária. Com a Bia e o Hélio, sempre dispostos a trocar receitas, encontrei a vontade para ajudar.
Com o Batista conheci um novo irmão.
Com a Marilene Terezinha Aparecida (que gosta de ser Marlene) sempre trabalhando pela Instituição que representa), reconheci a importância de trabalhar a caridade.
Com a Regina (filósofa), Dora (intelectual), Nilda (cinegrafista) Cida, Clarice, Teresa, Cecília, Vera, Cacilda, Cleonice, Mariliza (de sorriso farto) e com todos colegas cujos nomes ainda não decorei (afinal, sou loira e da 3ª idade) aprendi a aceitar as diferenças.
Ainda, aprendi muito com:
O Jacinto, sério, compenetrado, O Caio, de cabelo em pé, não pelas patacoadas das meninas no seu ouvido, mas porque é moda, aprendi quanto o jovem pode ser parceiro nas atividades. Com o Pablo professor de informática perdidinho no meio do pessoal eu perdi o medo do computador.
Também com a Lídia, (secretária) que fica corada de tanto ouvir falatórios, aprendi a ter mais disciplina.

Aprendi muito, muito. Que longe é um lugar que não existe. O que existe é um desejo sincero de confraternização, de troca de experiências, de aprendizado constante. Conheci pessoas maravilhosas, ampliei meu leque de amizades. Aqui passo horas agradáveis. Estou me sentindo rio-clarense como vocês.

Passeio - Estância Casa de Pedra
Charqueada


Quero aproveitar este momento para agradecer a todos pela acolhida. A Andréia, drª Lícia, todos os professores e as pessoas ligadas direta ou indiretamente ao nosso curso, como os porteiros e demais funcionários.
Um abraço carinhoso para as outras turmas que, nos poucos momentos de integração, aprendi a admirar. Perdoem-me as brincadeiras. Fazem parte...

Uma frase que me marcou e que acho oportuna: “SOMOS TODOS ANJOS DE UMA SÓ ASA E SÓ ALÇAREMOS VOO QUANDO ABRAÇADOS UNS AOS OUTROS”

Geni D. Bizzo Turma I 29-06-05