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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Dilema ético

Frederico e eu percorremos o caminho ladeado por acácias carregadas de cachos dourados, comuns nos meses de novembro, e que nas manhãs de clima ameno exalam um suave perfume.
Converso com Frederico, mas ele não responde. Pudera, Frederico é meu fusca vermelho, companheiro constante em minhas idas para o trabalho, uma indústria de produtos químicos e de equipamentos para tratamento de água para caldeiras. A Engeltec – esse é o nome da empresa – fica próxima à rodovia, às margens do pequeno rio Baguaçu, que abastece a cidade Santo Antonio do Aracanguá.
Nessas minhas pequenas viagens diárias, vou conversando com o Frederico, mesmo com o risco de ser chamada de doida por pessoas que encontro no trajeto e que podem perceber o “diálogo” animado com meu amigo. “Coitada, falando sozinha..”, diriam elas. 
Evito a rodovia. Sigo por um caminho de terra que mais parece uma picada tortuosa. Frederico não reclama. Conhece as pedras do caminho e aprendeu a desviar dos buracos que enfeitam a estrada com suas formas arredondadas. Na paisagem, algumas palmeiras com seus cachos amarelinhos de coquinho babão parecem querer competir com as acácias. Mais além as paineiras estalam suas bolotas sob o sol escaldante e forra o campo com suas plumas, verdadeira neve de verão. Alguns animais pastam calmamente, alheios aos passarinhos que, agarrados aos seus lombos, se refestelam com os parasitas.
Continuo observando a paisagem, como sempre faço. Mas uma sombra de nostalgia enuvia meu semblante. O dia hoje tem cheiro de despedida. Pode ser minha última viagem.  Tento, em vão, não pensar no que vai acontecer depois de hoje.
Explico melhor: sou engenheira química. Eu e mais de duzentas pessoas dependemos da Engeltec para viver. Dias atrás, observei uma avaria num dos condutos que dá passagem a um líquido tóxico que, se despejado na natureza, irá contaminar o meio ambiente. Para repará-la, seria necessário interromper todo o processo produtivo por  um mês, no mínimo.
Comuniquei o fato ao presidente da empresa. Ele pediu que guardasse segredo, pois parar a fábrica iria significar a demissão de muitos funcionários, o que certamente iria acarretar uma crise local, numa região já tão carente de empregos.
Mas me calar significa permitir que não se corrija a avaria. Significa aceitar o vazamento do líquido tóxico, com a previsível consequência: contaminação das águas do rio, prejudicando a vida aquática e os habitantes que usam suas águas. Se falar, serei despedida. Meu Deus, o que fazer?
Minha cabeça ferve. Há uma confusão de pensamentos e sentimentos conflitantes com o que aprendi e as necessidades do mundo moderno.
Por um lado, o rio que me traz muitas lembranças. Foi a escola de natação de meus irmãos e coleguinhas que, escondidos das mães, mergulhavam em suas águas, ignorando os perigos que corriam. Foi também o rio onde meu pai e vizinhos muitas vezes passavam os dias de domingo na pescaria animada que combinava lazer e necessidade. Pelo menos uma vez por semana, um peixinho fazia a festa na mesa.
Por outro lado, a dura realidade deste mundo que mudou; a população que cresceu muito e desordenadamente. A tecnologia foi aprimorada para atender às necessidades que surgem. E não podemos ficar com saudosismos, afinal, gostamos do conforto que ela oferece.
Como conciliar as duas situações? Os chefes de estados e homens da ciência trabalham no sentido de minimizar os efeitos nocivos do progresso, criando leis com mecanismos que obrigam as indústrias a preservarem o meio ambiente. Mas acidentes como este acontece, bem sabemos.
Fui educada de forma a sempre me posicionar. Meu saudoso pai, embora adepto de uma educação austera que não dava direito à réplica, dizia sempre que mais vale uma consciência tranquila do que deixar que o medo nos domine. Dizia ele que o medo não tem tamanho e pode nos acorrentar numa grande bola de neve.
No trajeto, vejo plantações de algodão e de milho, onde os pequenos agricultores lutam com os parcos recursos financeiros para tocar um roçado que depende totalmente da água do rio para irrigar suas roças.
Sentindo o cheiro doce das espigas que explodem, tomo uma decisão: vou comunicar ao meu presidente que farei chegar esse acontecimento até as autoridades competentes e à imprensa. Daí...
Seja o que Deus quiser.

Texto sugerido em aula de oficina literária  FTI- em negrito: O tema

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