Mulher linda, vestida elegantemente porém
muito discreta, olhos meigos e brilhantes, belas curvas que mantém ainda em um
corpo esguio, chama a atenção na sala de espera de um consultório médico
especializado em exames clínicos e diagnósticos. No terceiro mês de gestação, Maria
Cecília aguarda ansiosamente pelo ultrassom que vai finalmente revelar o sexo do
bebê. Enquanto isso, observa as colegas de gestação, tentando adivinhar a
sensação de cada uma.
Vem-lhe à lembrança uma imagem
chocante do noticiário do dia anterior: uma mãe deu à luz um garoto no meio dos
escombros e de corpos putrefatos na terrível tragédia deixada pelo violento
tufão nas Filipinas. Seu pensamento confuso lhe traz um enorme aperto no peito.
Mesmo sem seu consentimento, vêm-lhe à mente imagens de nossas pobres crianças
vítimas do desprezo de famílias desestruturadas e que, vivendo na
promiscuidade, são presas fáceis de todo tipo de gente. Seja por falta de
trabalho, de educação, ou de perspectiva, as crianças tornam-se alvos fáceis
para a exploração no trabalho escravo, na prostituição, na mendicância... Isso
quando não são deixados em banheiros públicos ou em latas de lixo.
Retorna de seu devaneio e se incomoda
com a demora no atendimento precário, mesmo para ela, portadora de plano de
saúde cujo elevado custo nem de longe se transforma nas vantagens oferecidas.
Agora é a precariedade dos serviços essenciais que toma seu pensamento e lhe
eleva o grau de tensão. Como será no futuro, quando o filho crescer?
Escolas que mudam constantemente seus
métodos de ensino sem qualquer resultado prático, professores desmotivados e
mal preparados, violência de todos os naipes, no bulling, nas brigas constantes, nas imagens postadas nas redes
sociais. Armas nas mãos de jovens que não sabem escrever, mas que as ostentam
como se troféus fossem. Ideário defendido pelos black blocs, que se autodenominam rebeldes sem causa e ferem a
democracia do país; ídolos milionários fazendo apologia do sexo, dinheiro e
poder. Ídolos de areia adorados e
imitados pelos adolescentes na falta de bons exemplos. Adultos infantilizados,
presos à ditadura da beleza artificial imposta pela mídia, terceirizam a
educação dos seus filhos, entregando-os a instituições pobres de valores morais
e éticos, e que dão baixo valor à vida humana.
Sente que começa a se exaltar. 2013 está sendo um ano difícil. Nosso país
está doente: legislação deficiente, fiscalização e punição inexistentes. Maior
escândalo da história envolvendo políticos no maior esquema de corrupção. Um
julgamento que se arrastou por longos oito anos deixa o amargo gosto da
decepção. Os três poderes enfraquecidos por
transações espúrias escondidas no subsolo da corrupção e da impunidade.
Enquanto isso, as tragédias se repetem: crimes hediondos, desastres ecológicos.
Movimento desorganizado e desconexo de grupos isolados na defesa de seus
interesses mercadeja tráfico de influência na base de quem pode mais chora
menos. A polícia nada pode fazer ou atende a outros interesses que ela não
consegue entender. A justiça? Lenta, nas poucas vezes em que se faz presente.
Os pensamentos lhe trazem um sentimento de angústia, tristeza e impotência. Urge
repensar essa condição de acomodação sem adotar a histeria do politicamente
correto. Mas como?
A voz da recepcionista interrompe seus devaneios. É sua vez, finalmente.
Ansiosa e feliz, esquece os pensamentos que a incomodaram para acompanhar o
exame na sala fria e de pouca luz. Cena linda ver na tela do computador: seu
bebê se movimentando na abundância da vida. É um menino e se chamará Emmanuel. “Deus
conosco”, ela se lembra do significado do nome, escolhido com todo amor, caso
fosse menino. Com certeza crescerá em país melhor, pensa.
Feliz pela tão ansiosamente aguardada notícia, volta para casa, coração
sereno. Sua cabeça agora é só pensamentos bons. Novas imagens povoam sua mente.
Meu filho conhecerá esse país modificado, pensa. Esse país em forma de coração
de proporções continentais que tanto ama, abundante em áreas verdes e água
potável, que mantém a unidade nacional apesar de seus representantes. Esse país
gigante que acorda e exige seus direitos à vida e a uma educação ampla e abrangente,
pois finalmente reconhece que é através da educação que haverá competência e
lucidez na hora do voto capaz de transformar o destino de um povo.
Essa é uma realidade possível, pensa. Temos a nosso favor muitas
riquezas, povo pacífico e trabalhador, tecnologia avançada no auxílio à ciência
e pesquisas. Precisamos somente de líderes novos, com novas propostas para
mudar a imagem deste país. Um país que tenha os melhores do mundo não somente
no samba e no futebol, mas em crescimento econômico, tecnológico, educacional.
Líderes que, com certeza, não se envergonhem de suas biografias; pelo contrário,
que as tenham como exemplos para as futuras gerações. Seja bem-vindo, Emmanuel!
Geni Bizzo 19-11-2013