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terça-feira, 19 de novembro de 2013

Retrospectiva


Mulher linda, vestida elegantemente porém muito discreta, olhos meigos e brilhantes, belas curvas que mantém ainda em um corpo esguio, chama a atenção na sala de espera de um consultório médico especializado em exames clínicos e diagnósticos. No terceiro mês de gestação, Maria Cecília aguarda ansiosamente pelo ultrassom que vai finalmente revelar o sexo do bebê. Enquanto isso, observa as colegas de gestação, tentando adivinhar a sensação de cada uma.
Vem-lhe à lembrança uma imagem chocante do noticiário do dia anterior: uma mãe deu à luz um garoto no meio dos escombros e de corpos putrefatos na terrível tragédia deixada pelo violento tufão nas Filipinas. Seu pensamento confuso lhe traz um enorme aperto no peito. Mesmo sem seu consentimento, vêm-lhe à mente imagens de nossas pobres crianças vítimas do desprezo de famílias desestruturadas e que, vivendo na promiscuidade, são presas fáceis de todo tipo de gente. Seja por falta de trabalho, de educação, ou de perspectiva, as crianças tornam-se alvos fáceis para a exploração no trabalho escravo, na prostituição, na mendicância... Isso quando não são deixados em banheiros públicos ou em latas de lixo.
Retorna de seu devaneio e se incomoda com a demora no atendimento precário, mesmo para ela, portadora de plano de saúde cujo elevado custo nem de longe se transforma nas vantagens oferecidas. Agora é a precariedade dos serviços essenciais que toma seu pensamento e lhe eleva o grau de tensão. Como será no futuro, quando o filho crescer?
Escolas que mudam constantemente seus métodos de ensino sem qualquer resultado prático, professores desmotivados e mal preparados, violência de todos os naipes, no bulling, nas brigas constantes, nas imagens postadas nas redes sociais. Armas nas mãos de jovens que não sabem escrever, mas que as ostentam como se troféus fossem. Ideário defendido pelos black blocs, que se autodenominam rebeldes sem causa e ferem a democracia do país; ídolos milionários fazendo apologia do sexo, dinheiro e poder.   Ídolos de areia adorados e imitados pelos adolescentes na falta de bons exemplos. Adultos infantilizados, presos à ditadura da beleza artificial imposta pela mídia, terceirizam a educação dos seus filhos, entregando-os a instituições pobres de valores morais e éticos, e que dão baixo valor à vida humana.
Sente que começa a se exaltar. 2013 está sendo um ano difícil. Nosso país está doente: legislação deficiente, fiscalização e punição inexistentes. Maior escândalo da história envolvendo políticos no maior esquema de corrupção. Um julgamento que se arrastou por longos oito anos deixa o amargo gosto da decepção.  Os três poderes enfraquecidos por transações espúrias escondidas no subsolo da corrupção e da impunidade. Enquanto isso, as tragédias se repetem: crimes hediondos, desastres ecológicos. Movimento desorganizado e desconexo de grupos isolados na defesa de seus interesses mercadeja tráfico de influência na base de quem pode mais chora menos. A polícia nada pode fazer ou atende a outros interesses que ela não consegue entender. A justiça? Lenta, nas poucas vezes em que se faz presente. Os pensamentos lhe trazem um sentimento de angústia, tristeza e impotência. Urge repensar essa condição de acomodação sem adotar a histeria do politicamente correto. Mas como?

A voz da recepcionista interrompe seus devaneios. É sua vez, finalmente. Ansiosa e feliz, esquece os pensamentos que a incomodaram para acompanhar o exame na sala fria e de pouca luz. Cena linda ver na tela do computador: seu bebê se movimentando na abundância da vida. É um menino e se chamará Emmanuel. “Deus conosco”, ela se lembra do significado do nome, escolhido com todo amor, caso fosse menino. Com certeza crescerá em país melhor, pensa.  

Feliz pela tão ansiosamente aguardada notícia, volta para casa, coração sereno. Sua cabeça agora é só pensamentos bons. Novas imagens povoam sua mente. Meu filho conhecerá esse país modificado, pensa. Esse país em forma de coração de proporções continentais que tanto ama, abundante em áreas verdes e água potável, que mantém a unidade nacional apesar de seus representantes. Esse país gigante que acorda e exige seus direitos à vida e a uma educação ampla e abrangente, pois finalmente reconhece que é através da educação que haverá competência e lucidez na hora do voto capaz de transformar o destino de um povo.

Essa é uma realidade possível, pensa. Temos a nosso favor muitas riquezas, povo pacífico e trabalhador, tecnologia avançada no auxílio à ciência e pesquisas. Precisamos somente de líderes novos, com novas propostas para mudar a imagem deste país. Um país que tenha os melhores do mundo não somente no samba e no futebol, mas em crescimento econômico, tecnológico, educacional. Líderes que, com certeza, não se envergonhem de suas biografias; pelo contrário, que as tenham como exemplos para as futuras gerações. Seja bem-vindo, Emmanuel!

Geni Bizzo 19-11-2013


Poetrix escritos com base em experiências do cotidiano.




 






 


   Rasgam-se fotos                                        
   Faxina da alma                              
   Lembranças amalgamadas

   Tempo implacável
    Mudança de cenário
    Lembranças resistem

    Fotos amarelecidas
     Ressuscitam o tempo
     Sonhos inconfessáveis

     Drone avariado
      Libera sonhos, esperanças
      Estratosfera cinzenta

VELÓRIO
   Ambiente  monástico
    Rostos sem expressão                                                    
    Finitude, reflexão

NOTÍCIA
   Devassando arquivos
    Histórias  desenterradas:                                                                     
    Humanidade agradece

Geni       19-11-2013



terça-feira, 12 de novembro de 2013

Desenlace/Enlace



A multidão vai à loucura, a poeira levanta. A baba espumante do boi se mistura à terra vermelha. No corcovear cheio de ódio um milagre acontece.  Soltam-se as amarras. No desenlace, a vitória do animal antes indefeso. O peão beija o solo experimentando a derrota.

Pipas colorem o céu encantando as pessoas que vibram no campeonato. O dia está lindo, o vento colabora e as piruetas no ar levam ao delírio os competidores mirins. Mas eis que um acidente acontece. Uma ave incauta perdendo-se do seu bando se junta àquelas que supõem suas novas amigas. Enrosca-se nos fios e imobilizada pelo seu debater, projeta-se no solo ofegante, O desenlace é difícil. A comoção é geral, mas felizmente tudo acabou bem e ela foi devidamente medicada, voltando para o seu espaço.

Limpe das gavetas da memória as velhas lembranças; afrouxe o apertado laço que o peito oprime.  No desenlace, mostre uma nova face que o sorriso revela cheio de esperança.

Desenlace os fios tricotados nas mantas intermináveis do tempo inexorável. Estão amarelecidos, ofereça aos pássaros que entrelaçarão nos seus ninhos. Tudo se renova no ciclo da vida.

Prende-me em seus braços. No emaranhado dos meus cabelos, minhas comportas desenlace. Deixe-me indefesa e que na correnteza das lágrimas na minha face o rubor nela realce.



Busque: o pôr do sol, o balé do beija-flor no jardim, o soar melancólico do sino da capela, o cantarolar do riacho, a prece na hora do Ângelus. Enlace com o arco-íris e ofereça a uma mãe que balança o berço. Uma nova aquarela surge. É a vida em abundância.


Um drone sobrevoa registrando o espetáculo: Braços entrelaçados num enorme círculo. Os pés batem com força cadenciada. As vozes em uníssono dão o ritmo. Índios na dança de agradecimento juntam-se à floresta, aos animais, aos deuses numa união simbiótica. Jaci contempla alumiando a cena. A tribo vestida com o figurino oferecido pelas aves e floresta agradece aos deuses a fartura que veio com a chuva. As horas passam céleres e o enlace dura até a chegada de Guaraci. Então os guerreiros exaustos retornam às suas ocas.

Geni - Oficina Literária 12/11/2013