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terça-feira, 7 de junho de 2011

A TRAJETÓRIA DE UM FLAMBOYANT

O ENCONTRO
Barulho incrível e ensurdecedor me parecem vindo de muito longe, como se fosse uma marcha indígena com seu grito de guerra. Eu me sinto sufocar junto a outras tantas irmãs aconchegadas num cesto enfeitado num canto do palco multicolorido. Sou uma pequenina semente de flamboyant
Os artistas se revezam, fazendo mil e uma peripécias para entreter o público infantil não muito acostumado com esses eventos.
É primavera! E, como acontece nessas ocasiões, as grandes cidades se enchem de euforia, endeusando as raras oportunidades de virem uma árvore florida; e mais, despertar no público estudantil o amor, o gosto pelas plantas tão escassas nas casas sem jardins e ruas mal cuidadas via de regra.
Nessas oportunidades, as escolas se esmeram em programas voltados à natureza e, num misto de obrigação e prazer, se unem aos demais artistas (sim, porque os professores também o são) para atingir os objetivos  traçados no início do ano letivo.
Bem... Voltemos a falar de mim. Eu e minhas companheiras iniciamos nossa trajetória com destino incerto e, pelo que estou podendo perceber, não muito promissor.
Apertadas e quase sem ar num envoltório de plástico. somos entregues, selando nosso destino. Mãos pequeninas e meladas nos apertam ainda mais. Umas são atiradas ao longe e pisoteadas, outras nos bolsos cheios ou sacolas abarrotadas de bugigangas se ajeitam como podem.
Eu tive mais sorte. Fui acariciada e imediatamente solta das amarras que me tiravam o ar. Na bolsa organizada, senti a leve fragrância daquele perfume que marcaria minha existência. Ele me indicava a aproximação da minha protetora. Sim, porque todos sabem que temos protetores, anjos guardiões e outras divindades que nos acompanham e auxiliam durante toda vida. Acho que os protetores das plantas se chamam duendes. Seja o que for, eu percebi que seria protegida e me senti segura.
O espetáculo terminou, graças a Deus  Num instante, o teatro se esvaziou e a volta pra casa me enchia de esperanças. No sacolejar do ônibus continuava ouvir a algazarra dos pimpolhos, que muito raramente tinham a oportunidade desses encontros festivos.
RAIO DE SOL
Chegamos. A professora interiorana e apaixonada por plantas fez um apelo quase dramático aos pupilos e, como sempre, entregou-se de corpo e alma àquela missão que sempre foi promover a vida e colorir o mundo. Com muito entusiasmo, orientou seus alunos sobre a melhor maneira de cultivo, discorreu sobre tipos de solo, adubação, rega, combate à pragas, etc., etc., etc.
Os alunos, num misto de enfado e cansaço, prometeram que cuidariam com carinho dessas árvores em potencial a qualquer custo, mesmo porque a professora cobrava resultados.
Infelizmente não pude acompanhar o desenvolvimento de minhas companheiras.  Mas eu...
Que felicidade! No apartamento arejado e cheio de vida, fui delicadamente plantada num vasinho colorido com terra cuidadosamente preparada. Meio adormecida ( como acontece sempre quando nos preparamos para nascer) sentia a vibração e o carinho como me tratava a professora minha guardiã  e percebi  que havia encontrado meu raio de sol..
Podia ouvi-la todos os dias, sua voz ao longe ansiosa para que eu me mostrasse por inteiro.
VIDA NOVA
Num belo dia, o primeiro broto, depois a folhinha tenra, o galho fino e frágil. Enfim.  Eis a vida em abundância naquele pequeno recipiente. Eu, da janela, podia sentir o sol brilhante e forte, me beijando todas as manhãs.
Nesse ambiente acolhedor fui crescendo e, como sempre acontece com plantas de linhagem grande e majestosa, o espaço do pequeno vaso não acomodava minhas raízes, que teimavam em buscar profundezas maiores para que eu pudesse exibir toda minha potencialidade (me sentia com “sapatinhos” apertados). Veja como existe um destino... ou sorte, não sei. Minha protetora e amiga ( éramos íntimas) estava preocupada com meu desenvolvimento e, iluminada, resolveu que me levaria até sua terra natal, onde eu teria uma infância feliz como ela havia tido.
Assim aconteceu. Com todo cuidado colocou-me em seu carro e fomos nós para Araçatuba onde acreditava ela poderia me ver crescer e florir.
Viagem longa, minimizada pelas canções que falavam da terra e da vida simples do interior (planta gosta de música), acompanhada pela voz rouca de minha amiga, resultado dos muitos anos na profissão que abraçara...
Apesar de longa, a viagem foi prazerosa. Só não gostei quando me deixou fechada durante alguns minutos, é claro, naquelas pausas habituais em viagens longas. Mas recebia água fresquinha e isso compensava.
Chegamos; Terra quente por natureza e multiplicada pelo asfalto que cobre toda a cidade. Fiquei meio decepcionada, pois esperava um grande terreno cheio de amigas minhas. Mas qual, o espaço pequeno embora acolhedor me levou de novo para um vaso, agora maior porém num espaço livre, sol direto e água em abundância, melhor assim. O carinho também conta muito e isso não faltou. Mas o espaço! Esse é o grande obstáculo e paradoxal num país tão grande e com tão densas florestas. Mas essa é uma outra história Quem sabe outro dia...
LAR DEFINITIVO
Minha infância nesse local foi um pouco triste, pois sentia falta do meu anjo protetor, que havia retornado para a cidade grande, não sem antes se despedir de mim muito chorosa. Tive os cuidados necessários, mas algo me faltava, era aquela voz rouca falando comigo todas as manhãs.
Mas como tudo na vida tem seu lado negativo, eu não fui diferente. Mais uma vez o espaço se tornou pequeno demais para que me tornasse uma planta saudável. Sentia-me sufocar e não entendia por que.
Ah! Mas isso foi mais um teste de paciência, um aprendizado. E, como diz a professora, sempre crescemos nas adversidades.
Enfim a luz... Sua amiga Irene, dos tempos de colégio na juventude, possui uma chácara que, embora pequena, tem uma grande variedade de árvores frutíferas... Minhas primas.
Vejam que privilégio o meu. Essa amiga não me recebeu com carinho, como me deu lugar de destaque na frente da casa, perto do portão de entrada.
Ah! Que felicidade. Cova larga e funda, rega diária e meus pés firmes se fincaram no chão, para que eu sustentasse meus vários e agora fortes galhos.
Na minha primeira florada me senti orgulhosa e feliz. Um perfume suave e as cores fortes nos vários buquês com flores de delicadas pétalas faziam inveja às jaqueiras minhas vizinhas.
A professora me visita vez em quando e me deixa envaidecida. Pena que esses encontros não são constantes, pois, com a partida de seu velho pai para outro plano, os vínculos na cidade diminuíram e as oportunidades também. Mas sempre que vem me ver me abraça orgulhosa.
Havia me esquecido de um dado importante. Sou uma árvore chique. Tenho um nome. Sabe qual?  Geni. Esse nome me foi dado pela Irene para homenagear sua grande amiga que, por coincidência, tem esse nome a minha protetora de olhos azuis.

Veja como estou linda! Foto tirada por Irene

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