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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

ENTREVISTA- Jeca Tatu

ERRADAMENTE DADO COMO REPRESENTANTE DO CAIPIRA EM GERAL
O famoso “caipira” tem a certeza de que ajudou, pelo menos em parte, a consertara visão distorcida que se tinha do homem do campo.
 Jeca Tatu, homem simples que habita a região rural do Estado de São Paulo, ficou muito conhecido quando da revolta de alguns fazendeiros contra os sertanejos brasileiros que, segundo eles, eram os responsáveis pelos incêndios nos campos. As famosas queimadas, segundo os reclamantes, eram praticadas em demasia e, portanto, prejudicavam os proprietários da terra.
Deitado na rede na varanda de sua casa da fazenda, entre um cigarrinho de palha e um gole de café, gentilmente nos concedeu essa entrevista.
Jeca Tatu. É esse o seu nome verdadeiro?
É assim que gosto de ser chamado.
Ouvi dizer que sua história tem duas interpretações: uma com a visão romântica do homem simples do interior, que fala errado, anda com roupas de riscado e chapéu de palha, é ingênuo, mas extremamente bom e tem profundo amor à terra. Pela outra visão, esse mesmo homem é visto como indolente e alcoólatra,acomodado na pobreza máxima, sem hábitos de higiene, desprovido de cultura  e avesso ao trabalho, funesto parasita da terra e responsável pelos problemas da agricultura.O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Bem... Nem uma coisa nem outra. Nem tão ingênuo, nem bandido.
Explique melhor
O Jeca Tatu que vocês conhecem não se sente representado hoje pelo homem do campoo caipira que muitas vezes é ridicularizado como se fosse um imbecil. É muito melhor representado pelo sertanejo que luta em suas terras trincadas pela seca, que com seus corpos esquálidos e mãos trêmulas, sem conseguir plantar e colher para seu próprio sustento  tentam sobreviver esperando o açude que não vem.
Se a visão do homem simples é distorcida a do homem preguiçoso é real?
Essa segunda visão era fruto da situação do caboclo brasileiro, abandonado pelos poderes públicos às doenças e à indigência, à precariedade da saúde das populações rurais. Minha história, por exemplo, mudou radicalmente quando um médico cruzou meu caminho. Ao passar diante de minha tosca residência, assustou-se com tanta pobreza e, vendo minha coloração amarela e intensa magreza, decidiu me examinar e sem muito esforço diagnosticou o meu problema grave de saúde.
 Que problema era esse e quais eram os sintomas?
Sentia muita fadiga e dores corporais. O que as pessoas viam como preguiça, era na verdadeuma enfermidade tecnicamente conhecida como ancilostomose, o famoso amarelão. Depois que tomei os remédios recomendados, mudei meus hábitos de higiene e passei a usar sapatos (os vermes que provocam esse distúrbio introduzem-se no corpo através da pele dos pés  e das pernas), minha vida mudou completamente. Curei-me, reduzi a bebida,voltei a ter melhor disposição para o trabalho,minha plantação prosperou e me tornei um homem honrado.
Qual a conclusão que o senhor tira de tudo isso?
 Minha história revela que medidas simples poderiam transformar o cenário sombrio onde personagens iguais a mim são tidos como indolentes e alvos fáceis de pessoas mal intencionadas, que sabem o diagnóstico mas, depois de uma passagem rápida que se repete a cada quatro anos, deixam essas pobres criaturas à sua própria sorte.
Sua história ficou muito conhecida, isso é orgulho para o senhor?
Fiquei conhecido e famoso porque sou a imagem do ser legado ao abandono pelo Estado, deixado à mercê de enfermidades típicas dos países atrasados, da miséria e do atraso econômico. Felizmente, essa imagem foiutilizada também como instrumento em operações de esclarecimento sobre a importância do saneamento público e a urgência em erradicar doenças como o amarelão, que matava tantas pessoas nos anos 1920. Isso não é motivo de orgulho,mas fico feliz se, pelo menos, servi de instrumento para a tomada de consciência do povo brasileiro.
Estamos no início do século XX. O senhor acha que até o fim do século nosso país terá resolvido essa situação?
Quero crer que sim, porque o homem da terra só a deixa em último caso, assim mesmo com muita tristeza. Muitas das vezes, não se adapta à nova situação e passa a sentir-se amargurado e infeliz. Quiçá no século XXI nova visão se descortine para um cenário pintado com as cores da esperança.
Obrigada pela entrevista, mas uma última perguntinha: O senhor não quer dizer mesmo seu nome verdadeiro?
JOSÉ BENTO MONTEIRO LOBATO

Geni Bizzo – Jornal literário Claretianas10/2012

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