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terça-feira, 2 de agosto de 2011

Encontro e despedida

Finalmente chegou o tão esperado momento. Luiz está radiante. Adeus escola, livros, discussões, leis, caminhos que se tornaram maiores e mais cheios de obstáculos durante esses trinta anos. Cada palmo de seu chão passa na tela mental como em um flashback. Árvores frondosas e floridas deram lugar aos prédios. Casas antigas foram tombadas – literalmente – para dar lugar a gigantes e imponentes viadutos. A tão sonhada aposentadoria chegou. E, com ela, sentimentos confusos do dever cumprido, cansaço e um vazio enorme com a expectativa de novos dias.

Bem, mas não é momento para saudosismos ou tristezas, mas para comemorações. Meu querido e inseparável amigo Luiz me abraça efusivamente e me pede para escolher um local aconchegante para brindarmos esse momento especial. Não tenho dúvidas. Escolho o Yokohama, restaurante japonês onde tantas vezes estivemos para trocar idéias e fazer confidências.

Mas hoje será diferente. O sentimento de alívio, aliado à saudade que sentiremos, promete uma noite inesquecível. Quero sentir cada segundo. Fechando os olhos, vejo-me estacionando o carro sob a luz das lanternas coloridas que iluminam o jardim entre as pedras que servem de esconderijo para as carpas – parecem-me – gigantes para espaço tão pequeno.

Na chegada, o ar fresco de aroma agradável impregna nossa alma. Ao atravessarmos a pequena ponte em arcos e cercada de bonsais, percebo que o perfume da vegetação verdinha toma conta de mim e me deixo levar pela emoção.

Elegantemente vestidos para a ocasião, fomos recebidos por uma jovenzinha – eu diria uma gueixa – que nos acomodou num ambiente aconchegante: meia luz, meia voz, música suave, gestos delicados, sintonia perfeita que o momento pedia.

Atmosfera perfumada. Toalhinha quente em um saquinho para a higiene das mãos. Viajo. Vejo-me levada por fortes samurais para uma aldeia cercada de colinas verdejantes onde, no tatame improvisado, tenho aula de artes marciais. A leveza dos gestos, o respeito ao adversário, as regras, a disciplina rígida dispensam o conhecimento do idioma.

Respiro fundo. Olho para meu amigo, que tem os olhos marejados. Emoção... A separação é inevitável e, por alguns segundos que parecem eternidade, ficamos sem palavras, só observando cada detalhe da mesa cuidadosamente preparada. Vaso enfeitado com flores e frutas combinando com as louças. Guirlandas envolvendo os copos, pétalas de rosas sobre a toalha vermelha e branca...

Meu devaneio é interrompido pela gentil garota que nos traz o cardápio. Aceito a sugestão do meu amigo. Não era o mais importante naquele momento. Para entrada, sushi e sashimi não são novidades para nós, acostumados no trato com hashis, wasabis e shoyu.

No antegozo da espera, vislumbro as mãos ágeis e delicadas no trato com os alimentos do sushiman, de rapi muito limpo e com a faixa envolvendo a cabeça. Tudo especial: os apetrechos de cozinha, o ritual na confecção de cada prato. A concentração no trabalho esconde, com certeza, a saudade da terra distante, os familiares nunca mais vistos, coração dividido numa mescla de sentimentos que o amor à nova pátria e a miscigenação favorecem. A aproximação da garota com jeito de gueixa me tira da cozinha. Vestida a caráter, quimono colorido em tons de vermelho e branco, cor preferida dos orientais, o gracioso coque preso com grandes grampos, uma bela aparição...

Como é um dia muito especial e com sabor de despedida, curto cada segundo. Percebo cada detalhe e não me escapa o olhar triste da garota que, com um sorriso contido, parece esconder um sentimento que teima em se mostrar. É um olhar distante... Será um amor não correspondido?  Alguém cuja espera se faz longa demais? Talvez seja paranóia minha numa transferência de um sentimento que é só meu... Lentamente nos servimos, medindo cada gesto. Sentindo o aroma gostoso dos pratos cuidadosamente decorados.

Pouco nos falamos, não há necessidade. Degustamos os alimentos em silêncio, envolvidos pela atmosfera reinante. Como prato principal, peixe guarnecido com legumes coloridos. O sabor característico, a leveza dos alimentos, a morosidade no trato com os hashis favorecem a concentração e a harmonia que  o ambiente e a ocasião propiciam. Sensações confusas. O tempo passa vagarosamente... Ou corre demais? Há um misto de alegria e saudade antecipadas
O chá verde digestivo de frutas e flores completa a noite. Tudo perfeito, não fosse a lágrima que teima em se fazer presente, mesmo sem ser convidada.



03-09-08 Oficina Literária FTI


       



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