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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Uma experiência ruim

O céu de um azul profundo sem uma nesga sequer de nuvem observa melancólico a imensa bola de fogo sendo tragada pelo mar de águas tranqüilas, vê atentamente o sol desaparecer completamente no horizonte quando o arrebol é substituído pelo cinza gris e paulatinamente pela negritude da noite. Lentamente no lado oposto a dama da noite rompe os obstáculos surgindo majestosa para reinar absoluta na imensidão do espaço sideral.
Com meus pés enterrados na areia agora já morna, o corpo encolhido por causa da brisa fria, assisto o espetáculo extasiada e feliz. Para emoldurar a cena as ondas que quebram mansinhas formam um bordado de renda se estendendo por toda a orla no vai e vem do grande tear operado pela mãe natureza. As gaivotas fazem vistoria com seus vôos rasantes.
Absorta em meus pensamentos observo as embarcações que compõem o quadro. Muito longe os navios atracados e iluminados, pequenos veleiros que chegam e saem num movimento constante. Cantarolo baixinho a canção de Dorival Caymmi “Minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar, meu bem querer...”  “O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito”.  Ninguém mais que Dorival cantou o mar. Com paixão e amor fala em seus versos sobre pescadores, jangadas, peixes, rainha do mar. Fala de amor, de perdas de alegrias e tristezas que acompanham a vida de quem  ali vive. Seu canto mais parece um lamento, às vezes uma louvação.
Fico pensando na magia que o mar provoca nas pessoas, seus mistérios e segredos. Eu, particularmente sonho muito quando estou nas profundezas percorrendo túneis formados por rochas, embarcações naufragadas ha séculos. Ele me fascina e me amedronta. Imagino sempre encontrar a garrafa com uma mensagem deixada por um corsário aflito. Quando isso acontece me vem à tona uma lembrança recorrente de um quase afogamento. Suo frio ao me imaginar novamente na mesma situação vivida há 50 anos. Aconteceu numa festa que quase acabou em tragédia.
Meu primeiro emprego foi numa grande empresa multinacional. O grupo que trabalhava no escritório era pequeno em sua maioria homens. A empresa ficava ao lado da rodovia longe, portanto da cidade. Anexo a ela foi formada uma bonita chácara com um casarão confortável e bastante amplo. Na frente uma grande piscina cercada por delicados ciprestes. A chácara era frequentada pelos gerentes e respectivas famílias, eventualmente os funcionários eram convidados.
Era fim de ano e a tradicional festa do amigo secreto. Eu, muito tímida e desajeitada estava feliz, pois eram raras essas oportunidades me divertia dançando e observando as brincadeiras na piscina. Não sabia nadar e nem estava em trajes de banho. A certa altura os rapazes já alterados pela bebida resolveram me pregar um susto e sem que eu desse conta me pegaram e atiraram-me na piscina. Fui ao fundo, subia e submergia novamente, tentava pedir socorro, mas não conseguia e o que eu percebia eram o ar me faltando, o barulho ensurdecedor da água nos meus ouvidos e as risadas e gritaria de todos que nadavam.
Não contabilizei o tempo que passou para mim, uma eternidade, um pesadelo. Finalmente uma das meninas percebeu e atirando-se na piscina me agarrou possibilitando-me respirar expelindo a água que havia engolido.
Todos ficaram apreensivos e calados observando a cena. Nem me lembro se me pediram desculpas só me lembro do pavor e da revolta que senti. Com as roupas encharcadas foi levada para casa muito assustada e triste por ter perdido o final da festa tão esperada. Voltamos na chácara algumas vezes, mas nunca mais me aproximei da piscina. O pavor de água ainda me domina. Temporais, alagamentos, afogamentos me dão calafrios.
Depois de passados muitos anos, já na capital entrei para uma escola de natação para perder o medo, mas não obtive muito sucesso. Somente brinco e nado onde posso sentir que a qualquer momento posso colocar os pés no chão.
Já viajei muito em barcos pequenos e grandes, mas meu coração está sempre acelerado nessas ocasiões. Tento disfarçar o medo mas a idéia de um naufrágio me atormenta. “Dorival Caymmi diz em outra canção” É doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar “... “O marinheiro bonito, sereia do mar levou”...
Para o poeta tudo é bonito e nas suas divagações fala da morte de maneira como sonho que fatalmente vivenciaremos todos, mas eu prefiro caminhar na praia sentindo as águas do mar beijando meus pés. Colho conchinhas, observo os esportistas, os navegantes, mas não me atrevo enfrentar o monstro que às vezes imagino emergindo de suas águas querendo me levar como naquele dia fatídico. Faço coro às morenas que ficaram à espera de seus amados “Vou rezar pra ter bom tempo, pra não ter tempo ruim”... Assim posso desfrutar da beleza e magia do mar calmo em terra firme com o dia ensolarado. É mais seguro. 

Geni  28-04-2011






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