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quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O caso do vestido

Nos filmes e séries de TV assistimos a adaptações de grandes obras de renomados autores, que nos revelam o comportamento das famílias tradicionais brasileiras. Não só dos senhores de engenho e dos grandes cafeicultores do interior paulista, com seus escravos, mas da forma de vida da sociedade em geral até meados do século passado.
As histórias dessa sociedade, tradicionalista e patriarcal, nos revelam a verdade rígida de um comportamento da brutalidade masculina e total submissão feminina. No poema Caso do Vestido, Drummond evidencia esse machismo exacerbado na sociedade patriarcal de um possível cotidiano da infância do autor.
Chamam a atenção os pronomes na segunda pessoa, tratamento cerimonioso e arcaico, distanciando os interlocutores na conversa em que, questionada, a mãe narra às filhas a paixão do pai das pequenas por outra mulher, colocando-se numa posição submissa diante da humilhante traição.
Ao falar sobre a outra, a mãe a chama de dona, mulher do demo, a amante, pecadora, a quem caberia o papel de satisfazer os caprichos sexuais de seu marido. De si, dizia de sua redução existencial a um papel familiar de total negação, mas a morte não chegava...
A mãe, provedora sem direito à palavra, silenciosa em seu desejo, mostra para as filhas na figura do vestido a revolta, o padecimento do corpo a humilhação do abandono.
Na figura do vestido ela vê o próprio corpo e o da outra, ambos desprovidos da beleza física de outrora. Unidas pelo sofrimento diante da desigualdade de forças entre o homem e a mulher, seja ela mãe ou dona, mas sempre um objeto.
Na dor desse monólogo implora pelo consolo das filhas e, sem direito a explicação, calada, põe o prato à mesa.
Nesse poema narrativo, Drummond mostra não só a submissão e humilhação  da mulher ao sufocar seus anseios, mas também um prazer silencioso na dor. O vestido na parede a faz lembrar-se constantemente de seu lugar como sofredora; ela meio que se alimenta desse sentimento de profunda melancolia na autopunição e autopiedade.
É uma maneira de se fazer presente na memória como um fantasma que vagueia e assusta na lembrança de todos. Ela necessita ser percebida, mesmo que na maneira mais cruel. E o vestido é seu passaporte para a dor que a mantém viva.
Drummond mostra em seus versos um conhecimento real sobre o assunto e evidencia o comportamento machista da época. Apresenta um quase pedido de desculpas pelos sofrimentos que poderia ter causado.

Baseado no texto de Carlos Drummond de Andrade



“......Chorei, chorei...  até ficar com dó de mim...”  Camarim-Chico Buarque.


“...logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato e abro meus braços pra você...” Com açúcar e com afeto – Chico Buarque




Geni 21-01-2016

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